22 setembro 2008
VVAA, Cabeça de Ferro, Imprensa Canalha
Desde o início da sua actividade, em 2006, a Imprensa Canalha tem sido responsável por edições que congregam a minúcia no ofício de fazer livros e a vontade de atribuir visibilidade a um conjunto de autores que, circulando entre a banda desenhada e a ilustração, começam a configurar um caso raro de coerência artística e programática, sem com isso perderem a afirmação das suas vozes individuais.
Com a participação de dezasseis autores, Cabeça de Ferro é uma antologia gráfica sobre a Revolução Industrial. O prefácio do arqueólogo Luís Luís é elucidativo do programa que orienta o volume: não se trata de reunir versões historiográficas através da banda desenhada ou da ilustração, mas antes de reflectir sobre um dos momentos de viragem da História a partir do seu carácter fundacional. Nesta antologia, as marcas da mudança introduzida a partir do século XVIII não se associam ao simples deslumbre pela inovação tecnológica, mas antes incorporam nessa enorme mutação da sociedade a marca intemporal de todos os vícios e virtudes que configuram a natureza humana. É dessa perspectiva comum que os artistas partem para a construção de imagens ou sequências, ainda que cada um o faça de modo individual.
Por entre as várias colaborações, que incluem nomes como Filipe Abranches, Pedro Burgos, José Feitor ou Richard Câmara, a de Dr. Orango constitui um ponto de vista revelador da abordagem que todo o livro configura. São dez pranchas em sequência alternada: de um lado, num registo composto por silhuetas, encena-se o advento do automóvel no quotidiano, primeiro como raridade de luxo por entre carroças puxadas a cavalo e senhoras de sombrinha passeando a pé, mais tarde como elemento essencial e omnipresente, sufocando todo o espaço imagético disponível ao mesmo tempo que os desastres se multiplicam numa inevitável violência; do outro lado, com traço e pormenores definidos, a evolução da indústria automóvel e de tudo o que se lhe associa, das linhas de montagem à aglomeração de carcaças metálicas em lixeiras. Entre o quotidiano de seres humanos concretos e as implicações sociais, económicas e políticas de uma mudança fundadora, o embate deixa marcas sobre as quais importa reflectir.
Sara Figueiredo Costa
(Texto publicado no suplemento Actual do jornal Expresso, 30 Agosto 08)
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