03 novembro 2008

Mudança de Casa

O blogger não me deixa publicar novos posts, mas parece que deixa editar os antigos. Assim sendo, caso algum leitor incauto passe por aqui e pense que abandonei o Cadeirão Voltaire, saiba que me mudei para aqui. Mudem também o endereço nos vossos links, por favor. Obrigada!


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365

O novo número da 365 já está nas bancas.



Com textos de António Martinho, Cláudia Matos Silva, Elisabete Patrícia Andrade, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Luís Graça, Luísa Cardita, Mário Bruno Pastor, Mia Couto, Miguel Marques, Pedro Martins, Pedro Santo, Rui Manuel Amaral, Rui Lage e valter hugo mãe.

Ilustrações e fotografias de Agan Harahap, Alex Gozblau, Ângela Berlinde, Catarina Limão, Gonçalo Franco, Leonor Inverno, Micael Póvoa e Rita Lino.

Design de Alex Gozblau.

Da Galiza IV

OPERA

o ter vivido queda da explosión como un aroma.
Salta a risa e multiplícase por todo o corpo
cubríndonos de estrelas espantadas polo touro
minguante que se achega co segredo da morte.
Desunimos as mans ocupadas en perdernos.
Xa somos a distancia que non nos necesita
porque sabemos a flor que nos mira desde o olvido

Luisa Villalta, in Rota ao interior do ollo, 1995

02 novembro 2008

Leituras II

O hábito de guardar recortes de jornal, e jornais inteiros, por vezes, revela-se muito prejudicial ao espaço que nos rodeia. A ilusão de que vamos disciplinar-nos e recolher com regularidade os artigos que queremos guardar, despachando o resto para a reciclagem, é sempre derrotada pela falta de tempo e de paciência. Mas o reencontro com artigos que quisémos preservar para memória futura é quase sempre compensador. E de certeza que a crónica de Alexandra Lucas Coelho no Ípsilon desda sexta-feira será um reencontro feliz daqui a muito ou pouco tempo, por entre os destroços de imprensa que ocupam o caixote mesmo ao lado deste cadeirão. Pelo sim, pelo não, guardei a versão digital, que aqui partilho como uma espécie de dádiva (para mim foi isso mesmo, uma dádiva).

Viagens com bolso

Alexandra Lucas Coelho


O inglês E. M. Forster chegou a Alexandria durante a I Guerra Mundial. Como era objector de consciência, foi trabalhar com a Cruz Vermelha nos hospitais. Podemos imaginar o que viu.
Durante essa estadia, Forster teve dois encontros decisivos: com o poeta Konstandinos Kavafis, de quem se tornou firme admirador, e com o jovem condutor de eléctricos Mohammed el-Adl, por quem se apaixonou.
Kavafis era - como lhe chamou depois Durrell no "Quarteto de Alexandria" - o "poeta da cidade". Isso queria dizer que era o poeta da antiguidade, 2300 anos debaixo dos pés, e através da antiguidade é que via o presente, como se os corpos quentes de agora fossem a nunca saciada possibilidade de possuir os corpos frios das estátuas.
Quanto a Mohammed El-Adl, tinha 17 anos quando conheceu Forster e morreu com tuberculose pouco depois da guerra.
Para Forster, Alexandria tornou-se uma cidade íntima, daquelas que doem como uma falta quando nos lembramos. Entre o passado que não viveu e o presente em que inventa o passado, um dos seus livros "alexandrinos" é "Pharos e Pharillon".
É difícil, improvável mesmo, encontrar a tradução portuguesa nas livrarias. Não porque esteja esgotada - tirou 1000 exemplares. Não porque seja muito antiga - saiu em 1992. Mas porque vendeu pouco e as livrarias não têm tempo nem espaço. Quem não vende, salta, é devolvido, re-armazenado, descatalogado. Na melhor das hipóteses será revendido numa feira pelo preço de um prego ao balcão. Na pior das hipóteses acaba na guilhotina, tão literalmente como Maria Antonieta. E acontece aos melhores no "mercado do livro".
No "mercado do livro", os livros rápidos ficam à vista porque são rápidos - e mais rápidos são por estarem à vista. Os livros lentos saem da vista porque são lentos - e mais lentos são por não estarem à vista. Ruído e relevo, eis tudo.
Quando a Cotovia começou a publicar, há 20 anos, tudo parecia já gritante, mas afinal não. Agora sabemos como se pode ficar cego e surdo a atravessar uma livraria.
No meio de tudo isto, ou mesmo numa estante de casa, os livros da Cotovia acham-se onde o olhar descansa, com uma pequena cotovia aos pés. São livros opacos, silenciosos, todos voltados para dentro.
Foi o que confirmei nas minhas estantes, em busca daqueles livros da Cotovia que me puseram a caminho, depois de me terem feito parar. Não vou fazer uma lista. Havia sobrecapas de papel vegetal escurecidas pelo sol e capas de duas cores clareadas pelo sol. Lá dentro, misteriosos sublinhados a lápis e, horror, pelo menos um a caneta - este "Pharos & Pharillon", que desde que foi comprado viajou duas vezes a Alexandria, uma de empréstimo, a outra comigo.
Na grande baía que já foi helénica, ptolomeica, romana, cristã, judia, grega, italiana, alemã, francesa e agora é muçulmana com subúrbios de milhões, já não encontrei fazedores de algodão, mas vi com Forster os flocos voarem sobre a cidade como uma tempestade de neve. Os livros ampliam infinitamente a realidade.
"Pharos & Pharillon" faz parte do catálogo morto da Cotovia. A falta de atenção mata, e é toda nossa. Há dias, quando fui ver o catálogo vivo, descobri tudo aquilo que não sabia sequer que saíra, dedicada e silenciosamente. Para o que mais importa, os próximos 20 anos, aproveitem.

Leituras

O Guardian publica um conto de Lorrie Moore (autora do belíssimo Pássaros da América, editado em português pela Relógio d'Água), intitulado "Foes". Para ler aqui.

31 outubro 2008

O Livro Inclinado no Chiado

No Domingo, dia 2, estarei na Fnac do Chiado para apresentar a quem aparecer o livro mais bonito que chegou este ano às livrarias: O Livro Inclinado, de Peter Newell, uma edição da Orfeu Negro.



Também lá estará a Elsa Serra, pronta para contar a história do livro aos mais pequenos (e aos maiores, claro). A sessão começa às 17 horas. Apareçam.

Jaume Cabré, As Vozes do Rio Pamano, Tinta da China

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         A história nunca se conta de um só lado, e às vezes passam-se muitos anos até que se conte, sequer. A relação da literatura espanhola (englobando-se aqui a das suas autonomias, à falta de melhor designação) com a Guerra Civil de Espanha assim o confirma, e só nos anos mais recentes é que o tema se tornou recorrente, como se tivesse chegado a altura em que a reflexão já é possível sem demasiados ódios e em que a literatura pode ocupar-se da melhor maneira dessa mesma reflexão.
         Numa aldeia catalã, no início do século XXI, uma professora encontra os manuscritos de um mestre-escola que o Vaticano se prepara para canonizar, elogiando o seu martírio às mãos dos maquis que combatiam a ditadura. Os textos de Oriol Fontelles, que morreu odiado por parte considerável da aldeia, revelam uma história diferente, marcada pelo auxílio, em segredo, aos mesmos maquis que o teriam morto. Que esse auxílio tenha nascido de uma série de contingências, mais do que de um gesto de heroísmo convicto, só contribui para se perceber que o romantismo e a criação de heróis impolutos interessam menos a esta narrativa do que o sentido da vida daqueles que, de repente, se viram no meio do fogo e não puderam esconder-se.
         A determinação da professora em restituir a verdade, e em cumprir o desejo do mestre-escola de que os textos chegassem às mãos da sua filha, estrutura uma narrativa fragmentada, onde passado e presente se cruzam nos mesmos espaços e onde o tempo se encarrega de equilibrar a justiça de algumas revelações com a impossibilidade de repor uma verdade, absoluta e convertida em nova memória. É o leitor o único privilegiado com o acesso a essa verdade, a partir da paciente colação dos fragmentos da narrativa. E mesmo sabendo que o pacto ficcional não substitui a releitura da história, essa oferta não é inocente numa saga que, para além do ódio e brutalidade que a guerra produziu, descreve exemplarmente o modo como a falsificação da história se transforma, demasiadas vezes, na própria história.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado na revista Time Out nº56, 22 Outubro 2008)

30 outubro 2008

Pré-Publicação: Saga Lusa, Adriana Calcanhotto (Quasi Edições)




Voltei do segundo show pálida, trémula, mas mantendo a pose no meu deslumbrante robe azul. Subi no elevador com uns africanos que se entreolhavam, tentando localizar de que tribo são as senhoras que andam de robe de veludo e havaianas, com uma braçada de flores na mão e olheiras que as fazem parecer um urso panda disfarçado de cantora – vestida e com a maquiagem borrada pela ex-mulher do Gerald Thomas. Eu tremia de frio, mas sorri, claro, pros africanos. Tomei um banho quentíssimo, durante longos minutos porque, pra mim, esta é a melhor hora dos shows e porque precisava me aquecer e não conseguia. Um urso panda certamente não se enganaria, mas eu, até então, não tinha me dado conta de que estava ardendo em febre e que um banho pelando não ajudaria muito, sabe que o QI das cantoras... Fiz o show com febre sem me dar conta disso, enfim, sabia é que não podia me dar ao luxo de ter febre porque tinha ainda mais não sei quantas entrevistas pela frente. Fui pra cama depois do banho quente, mas não deu. De madrugada, com muita peninha, acordei meu anjo Suely para pedirmos um termómetro na recepção. Mas o Sheraton Lisboa não tem um termómetro. Não entendo bem o raciocínio, mas deve ser algo do tipo – pois, isto é um hotel, minha senhora, não uma clínica geriátrica. Então um mensageiro foi, de madrugada, não sei onde, comprar o termómetro mas pelo que demorou desconfio que tenha ido a Madrid. Chamamos a médica que atende ao hotel e ela me disse ao chegar:

– Atendo atletas e desportistas, e vocês, cantores, são da mesma categoria: dão mais do que têm.

Nossa, isso calou fundo. E prosseguiu:

– A menina Adriana não pode tratar-se assim tão mal, por que é que está a fazer isso consigo?

Respondi...

– ...ãeamhuam.

Pra encurtar, antibióticos, aaarrrgghh, antiinflamatório, uuugllh, programação da tv a cabo, aff. A Adriana não pode dar as entrevistas de amanhã. Escândalo na gravadora, na editora, isso não é possível, como é que vai ser? Vai pôr tudo a perder! Nem quero entrar nessas considerações, que isso era pra ser um email e está virando Guerra e Paz, mas tá puxado, viu? Anabela manda músicas que não consigo ouvir inteiras por causa da dor de cabeça, mas que adoro quando chegam. A febre não cede. Camisolas encharcadas. Cancelar as entrevistas de depois de amanhã também. Liga pra gravadora, agora é o fim da carreira dela, que pena, ia tão bem. A febre piora.

– Isabel? Oi! Tudo bem sim, e você?... Pois é, que chatice, a febre não sai do lugar, cara.

– Tenta um outro médico, quem sabe, tantos amigos aí, eles não têm médico? Não vão ao médico?

– Como assim, “não vão ao médico”?

– Sei lá, são portugueses...

– Não, não tem nada a ver com a médica, adorei-a. Apesar de ela, antes de me dizer boa-noite, ter feito duas das perguntas que passei os doze anos de psicanálise escapulindo de me fazer. Ela é calma. Séria. Entendeu que tenho hiperplasia congénita das supra-renais, de instalação tardia, a forma não-clássica, que tomo cortisona diariamente para o resto da vida, que sou maluca, “artista”. Ela até pensou em me dar outra medicação, mas sabe que é arriscado por causa da cortisona, disse que não iria ministrar, sob hipótese alguma. Nem minha mãe conseguiu entender até hoje que tenho essa enzimopatia, me afeiçoei, deixa a Doutora.

– Mas ela não é a médica do Sheraton?

– Então.

– O Sheraton não tem um termómetro, Adriana, custa ver outra pessoa? Eu procuraria uma segunda opinião.

– Não, não custa, vou ver...

Agora, não me venha falar mal do Sheraton com ironiazinhas que não admito. Falo eu, mal do Sheraton. Porque amo este hotel, ele é meu, tenho as melhores recordações daqui, dos funcionários, das gentilezas, dos sorrisos, das pessoas, das minhas estadias todas, que maluquice. Só porque algum hóspede brasileiro algum dia provavelmente deu a Elza no termómetro, pediu pra usar e “esqueceu” de devolver, o Sheraton Lisboa é o quê? Desequipado? Relapso? Ah, me poupe.

Outro médico, este indicado pelo António. Simpático, açoriano. Vamos pro hospital às dez da noite tirar chapa do pulmão. Traqueobronquite, pulmão de fumante passivo, bingo. Nas análises de sangue, infecção e discreta anemia. Isso sou eu – vi logo que não haviam trocado os resultados porque nunca fiz um exame na vida que não revelasse discreta anemia. É que tenho hiperplasia das supra-renais na forma não-clássica, o Kennedy também tinha, esquece. Chega no quarto do hotel o pedido da farmácia. Vamos ter amanhã que comprar uma mala pra levar os remédios, o que não seria nada demais se não tivesse que tomá-los. Me apronto pra dormir depois de tomar os remédios, todos de uma vez, e aplico a bombinha com desinfectante pra garganta. Vai saber por quê, esse negócio disparou meu sistema simpático, fiquei com palpitação, fritando, suando, com uma sensação de medo medo medo. Dormi exausta e acordei de um sonho medonho, empapada de suor, chorando sem poder me controlar. Só pensava que um dia aquilo ia passar. Bad trip, total. Graça? Nenhuma. Tô aqui agora de ressaca dessa noite que pretendo deletar, com uma mesa-de-cabeceira que parece um estande de lançamentos farmacêuticos, parecendo um urso panda disfarçado de cantora dramática de cama. A camareira me viu tossir e gentilmente disse-me:

– Pois, está mesmo muito mal, hein?

Domenico veio me visitar de manhã, fofo. Trouxe um óleo francês de eucalipto, me fez rir contando histórias da Orquestra Imperial e pegou a estrada com a banda e os técnicos, que estão indo na frente para Torres Novas. O show é amanhã.


Adriana Calcanhotto
Saga Lusa
Quasi Edições (nas livrarias em Novembro)

Leituras: entrevista com Paul Auster

Paul Auster fala com o Guardian a propósito do seu mais recente livro, Man in the Dark (que a Asa editará em Novembro), e estende a conversa às eleições mais comentadas do momento. Para ler aqui.



(Paul Auster, Homem na Escuridão, Edições Asa)

Prémio PT 2008



Priimeiro o Jabuti, agora o PT. O Filho Eterno deu a Cristovão Tezza o Prémio Portugal Telecom 2008, que deixou em segundo lugar exaequo Beatriz Bracher, com Antônio, e António Lobo Antunes, com Eu Hei-de Amar Uma Pedra, e em terceiro Bernardo Carvalho, com O Sol Se Põe em São Paulo.
Para o mês que vem, O Filho Eterno chegará às livrarias pela mão da Gradiva.

29 outubro 2008

Leituras

No Público, André Jorge, editor dos Livros Cotovia, fala a Alexandra Lucas Coelho dos vinte anos da casa, do panorama actual dos livros e também da esperança, bem expressa nestas palavras, apesar dos pesares que vão ditando o rumo do 'mercado':

"O mercado mudou muito em 20 anos. O caminho é este, editoras pequenas, que fazem o que gostam, para leitores estáveis?
Esse caminho vai continuar. Há uma vulgarização da leitura e dos livros. Edita-se e vende-se mais, mas não estou a falar de literatura. Não concordo que estejam a fazer leitores. Estão a fazer aqueles leitores, ficam feitos, não têm nada a ver connosco. O que esperamos é que algumas livrarias possam sobreviver e especializar-se. Quando houver umas quantas com uma determinada orientação, como nós temos... Que uma Pó dos Livros [em Lisboa] sobreviva. Que Braga mantenha a Centésima Página, que Leiria tenha uma Arquivo..."


Nem mais!



(As comemorações dos 20 anos dos Livros Cotovia prosseguem até ao dia 29 de Novembro. Ver programação completa aqui.)

Coisas que se perdem quando o trabalho aperta

O Bibliotecário de Babel está nomeado para os BOB (Best of Blogs) e é o único blog português em concurso (já agora, podem apoiar a causa aqui).

A Bulhosa de Campo de Ourique recebeu ontem Bernardo Pires de Lima e Daniel Oliveira, conversando sobre o tema do momento ('Somos Todos Americanos'?), numa iniciativa inserida nas Conversas de Bairro. Só hoje dei por isso, quando fui comprar a Time Out (não é publicidade disfarçada; fui mesmo comprar a Time Out), e não sei se as Conversas de Bairro já existem há muito, se começaram agora ou quando terão continuidade. Às vezes, quanto mais perto de casa, menos damos pelas coisas, mas vou estar atenta a próximas conversas.

Pesadelos e livros da infância

Uma noite mal dormida e alguns pesadelos depois, situo finalmente a imagem que me atormentou a noite. A corça esfolada e a respectiva pele vieram directamente de um dos livros da Condessa de Ségur. Não consigo precisar qual e não tenho a colecção comigo, mas não quero voltar a ouvir os senhores e as senhoras do Plano Nacional de Leitura dizerem que ler faz bem à infância...

À conversa com Nuno Crato

Amanhã, pelas 18h30, na Livraria Arquivo (Leiria), Nuno Crato vai estar à conversa com Anabela Graça, professora do ensino secundário e Eloísa Pires, estudante universitária, a propósito deste livro:



Nuno Crato
A Matemática das Coisas
Gradiva

28 outubro 2008

Não perca os 3



Mais logo, na Pó dos Livros.

Leituras

No Guardian, John Updike dá uma entrevista a Peter Conrad. Para ler aqui.

27 outubro 2008

Lançamento



Bestas de Lugar Nenhum
Uzodinma Iweala
Antígona

Letra Pequena

O espaço que o Público reserva para os livros 'infantis', da responsabilidade de Rita Pimenta, já chegou à blogosfera. Podem acompanhá-lo aqui.

Peter Newell, O Livro Inclinado, Orfeu Negro



         Artista prolífico, Peter Newell assinou ilustrações, cartoons e banda desenhada para dezenas de jornais e revistas norte-americanas, entre 1883 e 1924, data da sua morte.
         O Livro Inclinado pertence a um núcleo de obras que Newell criou na fronteira imprecisa entre a ilustração e a banda desenhada, onde as preocupações formais com o próprio objecto-livro são um elemento recorrente. Dos seis livros que compõem esse núcleo, The Hole Book, The Rocket Book e este O Livro Inclinado (The Slant Book, no original) constituem uma unidade particular, na medida em que partilham a sequencialidade das imagens que acompanham as rimas que constituem o texto e a materialização dessa sequencialidade num elemento que ganha corpo no próprio livro enquanto objecto. Nos dois primeiros, um buraco (de bala ou de foguete) atravessa as páginas, incorporando-se o vazio que deixa no papel na composição das ilustrações. N’O Livro Inclinado é o formato do volume que acompanha a sucessão de imagens onde um carrinho de bebé vai deslizando por uma rampa íngreme, com o respectivo ocupante como ‘piloto’.
         Rimas e ilustrações, que terão sido pensadas para um público infantil (o que justifica a presença numa colecção como a que este livro inaugura, a Orfeu Mini, ainda que a sua apreciação nunca se tenha resumido às crianças), revelam o programa artístico de Newell, observador atento do quotidiano e mestre exímio na arte do cómico. O Livro Inclinado retrata o que bem podia ter sido uma cena banal numa qualquer cidade, um corte temporal na narrativa dos dias, mas fá-lo exagerando as possibilidades (inclusive as da física, já que seria duvidoso que um carrinho de bebé se mantivesse tanto tempo em movimento descendente sem cair) e acentuando características das personagens envolvidas para melhor alcançar diferentes níveis de cómico, da linguagem à situação. A sequência dos encontros do carrinho com as personagens que se encontram na rampa revela situações desastrosas, mas que se tornam cómicas graças à “anestesia momentânea do coração”, a condição que Bergson impôs para a sã existência do riso provocado por situações nem sempre agradáveis. Como os constantes atropelos de um carrinho de bebé desgovernado.

Sara Figueiredo Costa
('Versao integral' do texto publicado no suplemento Actual do jornal Expresso, 17 de Outubro 08)

25 outubro 2008

Leituras de fim de semana

No Babelia, do El País, Federico Ibáñez Soler escreve sobre a história da edição espanhola, destacando a importância da revista El Libro Español (que se publicou entre 1958 e 1986) para a compreensão das décadas mais recentes de um percurso com vários séculos. Para ler aqui.

24 outubro 2008

Leituras

Neste momento, O Priorado do Cifrão, de João Aguiar (Porto Editora), ocupa as minhas horas de leitura. Lidos os primeiros capítulos, creio poder afirmar que o enredo é prometedor e que a ironia acerta na mouche (em várioas mouches...).



O trailer de apresentação do livro pode ser visto aqui.

Notas sobre a escolha do Booker

O Guardian publica as notas de Alex Clark, editora da revista Granta e um dos membros do júri do Booker Prize deste ano (recentemente atribuído a Aravind Adiga ), sobre o processo da escolha do vencedor de um dos mais cobiçados prémios literários. Para ler aqui.

23 outubro 2008

Biblioteca Nacional ampliada

As obras de ampliação da torre de depósitos da BN, de que ouço falar mais ou menos desde o dia em que fiz o meu cartão de leitora - tinha acabado de chegar à Faculdade - estão finalmente a decorrer. Se não houver derrapagens, lá para 2012 estarão prontas e os livros que agora não cabem em lado nenhum terão o seu espaço garantido.


(vista da bela sala de leitura da BN)

O Pequeno Azulejo



Com a chancela das Editions Chandeigne , o livro O Pequeno Azulejo, de Tosca, será apresentado na Pó dos Livros, no próximo dia 25, pelas 17h00. A ideia é levar as crianças, mas os adultos não ficarão desapontados.

Criatura



O número 2 acaba de chegar e apresenta-se mais logo, pelas 21h30, na Casa Fernando Pessoa.

22 outubro 2008

Fora dos livros II

A exigência de silêncio nas salas de cinema bem podia transformar-se em cruzada civilizacional, abraçada por qualquer pessoa de bem. Sussuros constantes, telemóveis que tocam (e são prontamente atendidos), rebuçados com papéis barulhentos têm de ser banidos das salas. E não se pense que a praga está circunscrita aos cinemas onde se vendem pipocas (e menus inteirinhos defastfood, e gomas, e coca-colas...). Se há uns anos era assim, hoje a praga generalizou-se, e não há King ou festival de cinema que se salve. Em oito sessões que já vi no doc.lisboa, ainda não houve uma (uma só!) em que não tivesse vizinhos que conversam como se estivessem na sua sala, comentando o que vêem e, muitas vezes, interpelando o próprio filme, normalmente da maneira mais básica (por exemplo, se aparece um cão no ecrã, é possível ouvir em voz alta: 'Olha, um cão'. E por vezes, é possível que a esta frase se siga outra, do género: 'Tão fofinho...'). Porque é que não alugam DVD's e ficam em casa a vê-los?

Saramago na New Yorker

Na edição on-line da New Yorker, James Wood escreve sobre As Intermitências da Morte (Death with Interruptions, edição da Harcout), de José Saramago. Para ler aqui.



Ilustração de Ana Juan (que acompanha o artigo).

Cotovia: 20 anos

Quem, como eu, andava preocupado com a estagnação do site da Cotovia num anúncio de livros para férias, e com a ausência de novos lançamentos anunciados, pode descansar. Para comemorar duas décadas de edição, a Cotovia programou uma série de sete sessões, com lançamentos de novidades, leituras e conferências. E a primeira é já no dia 27.



27 de Outubro, Sala de Ensaio do CCB
21h - Leitura do primeiro acto de Os Pilares da Sociedade, de Henrik Ibsen, por Jorge Silva Melo e lançamento dos livros Peças Escolhidas III, de Henrik Ibsen, e Silenciador, de Jacinto Lucas Pires.

1 de Novembro, Sala Jorge de Sena (CCB)
16h - Camões, uma lição de Vítor Aguiar e Silva. Leitura de poemas por Luís Miguel Cintra.

9 de Novembro, Sala Jorge de Sena (CCB)
11h às 13h - Brevíssimo curso de literatura brasileira, com Abel Barros Baptista, Carlos Mendes de Sousa, Clara Rowland e Osvaldo Silvestre.
15h às 17h - Lançamento do livro Um crime delicado, de Sérgio Sant’Anna e de A poesia andando: 13 poetas no Brasil, com a presença de Marília Garcia e Valeska de Aguirre, poetas organizadoras desta antologia.

12 de Novembro, Livraria Pó dos Livros
18h30 - Lançamento do novo livro de Luís Quintais, Mais espesso que a água, e leitura de poemas por Diogo Dória.

16 de Novembro, Sala Jorge de Sena (CCB)
1h às 13h - Brevíssimo curso de literatura grega e latina, com Delfim Leão, Frederico Lourenço e Paulo Farmhouse Alberto.
15h às 17h - Lançamento de Odes de Horácio, na tradução de Pedro Braga Falcão, e do livro Novos ensaios helénicos e alemães, de Frederico Lourenço.

19 de Novembro, Livraria Pó dos Livros
18h30 - Lançamento do novo livro do Jacinto Lucas Pires, Assobiar em público. Apresentação de Carlos Vaz Marques.

29 de Novembro, Sala Jorge de Sena (CCB)
18h30 - Apresentação da série de livros BI-África Minha, constituída por 11 títulos de vários autores africanos: Amílcar Cabral, Luandino Vieira, Hernique Galvão, Castro Soromenho, Uanhenga Xitu, Baltasar Lopes, Luís Bernardo Honwana, Ruy Duarte de Carvalho e Mutimati Barnabé João. Participam Ana de Almeida, António Duarte Silva e Francisco Teixeira da Mota. (Com o apoio da Casa das Áfricas de São Paulo, Brasil).

21 outubro 2008

Novidades Quasi

Entre as mais recentes novidade das Quasi, três livros de crónicas se destacam. Maria Filomena Mónica, com Nós, Os Portugueses, José Miguel Júdice, com Portugalando e Jorge Reis-Sá, com Os Esquilos de Long Island. Inseridos na colecção ‘Primeiras Pessoas’, os livros prosseguem um gesto que tem sido regular nas Quasi e que, mesmo distante do maior sucesso editorial que podem constituir os livros de poesia ou de ficção, tem assegurado a preservação de um conjunto de textos que, por ter sido publicado na imprensa, estaria condenado ao esquecimento num curto período de tempo. Saúda-se, por isso, a continuação da edição de crónicas e outros textos de imprensa. Nem toda a memória será assegurada pelas maravilhas do digital; um belo volume (e estes têm um grafismo exemplar) terá, creio, mais sucesso nessa empresa.

20 outubro 2008

Ausências

Entre o catálogo do Festival de BD da Amadora, os textos semanais para entregar e a preparação da intervenção no seminário que se anuncia de seguida, não tem sido fácil encontrar tempo para o blog. A calma deve regressar a estas bandas nos próximos dias, e com ela os posts mais frequentes. Até lá, fica o anúncio do Seminário Internacional - Bibliotecas e Banda Desenhada, dividido pela Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro e a Bedeteca de Lisboa, cujo programa pode ser consultado aqui.

18 outubro 2008

Leituras de fim de semana

No Babelia, do El País, Antonio Muñoz Molina escreve sobre William Faulkner, a propósito da edição espanhola de Absalom, Absalom!.

No Guardian, publica-se um conto inédito de Aravind Adiga vencedor do Booker Prize, e um texto de Orhan Pamuk sobre a constituição da sua biblioteca pessoal.

17 outubro 2008

Encontro de escritores de Torres Vedras



O programa pode ser consultado aqui.

16 outubro 2008

Negócios em Frankfurt

A Porto Editora mandou-nos novidades da Feira de Frankfurt.
As Esquinas do Tempo, de Rosa Lobato Faria, que já leva 10.000 exemplares vendidos, vai ser editado no Brasil, com chancela da Editora LandScape, uma das principais editoras de S. Paulo. O lançamento está marcado para Março de 2009.
Para além disso, a Porto Editora garantiu os direitos de publicação para Portugal de uma série de livros de ficção estrangeira. São eles The Brief Wondrous Life of Oscar Wao, de Junot Diaz, vencedor do Prémio Pulitzer para Ficção 2008, Regressar a Casa, de Rose Tremain, Prémio Orange para Ficção, Rossovermiglio, de Benedetta Cibrario, vencedora do Prémio Campiello, um dos mais conceituados galardões italianos, e The Shak, livro sensação nos EUA e que está há 19 semanas consecutivas no top do jornal New York Times.

Livros em Desassossego

A próxima sessão dos Livros em Desassossego está marcada para o dia 30, pelas 21h30, e desta vez o tema será a francofilia, À boleia do Nobel atribuído a Jean-Marie Gustave Le Clézio. O debate contará com as presenças do ensaísta Eugénio Lisboa e dos jornalistas Francisco Bélard e José Mário Silva, juntando-se-lhes a editora Maria do Rosário Pedreira (QuidNovi), que escolherá três livros publicados recentemente que gostaria de ter no seu catálogo, e o professor universitário Fernando Cabral Martins, que fará a primeira apresentação pública do Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo, que dirigiu, a publicar em Novembro pela Caminho.

O debate será, como sempre, na Casa Fernando Pessoa e a entrada é livre.

15 outubro 2008

Prémio Leya

Foi ontem anunciado o vencedor do Prémio Leya: Murilo António Carvalho, jornalista e realizador brasileiro, com o romance O Rastro do Jaguar.
No Público, pode ler-se a notícia e aqui podem acompanhar-se as tentativas de encontrar um autor que, apesar de ter livros publicados, escapa ao radar do Google.

Frankfurt 2008

A Feira de Frankfurt abre hoje as portas, transformando a cidade, durante cinco dias, no centro do mundo dos livros e da edição.
Para além do site oficial do evento, há também um blog que irá dando conta do que de mais importante se passa e que pode ser lido aqui. E os Blogtailors também por lá andam, pelo que se podem esperar actualizações regulares no sítio do costume.

14 outubro 2008

Booker 2008

Aravind Adiga, com The White Tiger (Atlantic), é o vencedor do Booker Prize 2008.

Esperando pelo Booker 2008

Enquanto não é anunciado o Booker Prize deste ano, vale a pena reler as notas que o José Mário Silva foi escrevendo na sua maratona de leitura dos romances nomeados. E se ainda sobrar tempo, há sempre a opção do Quizz que o Guardian preparou sobre o prémio.

Novidades Tinta da China



Luís Trindade, Foi Você Que Pediu Uma História da Publicidade?
Edições Tinta da China

PUB (gratuita, é claro)



Leitura diária a partir deste pacato Cadeirão, o Spectrum vai comemorar quatro anos de existência. O Festão é no sábado, dia 18, a partir das 23 horas, na sede da ILGA (Rua de S. Lázaro, 88, em Lisboa). E apesar de alguma cacetada frequente nas caixas de comentários da casa, parece que está toda a gente convidada. É aparecer! Pode ser que assim se descubra que caras se escondem atrás daqueles nomes de guerra...

13 outubro 2008

Mário de Carvalho na Croácia e no Brasil

O livro Fantasia Para Dois Coronéis e Uma Piscina, de Mário de Carvalho, acaba de ser publicado na Croácia, com o título Fantazija Za Dva Pukovnika I Jedan Bazen e a chancela da Fraktura.



Do lado de lá do Atlântico, no Brasil, a Companhia das Letras publicou recentemente Era Uma Vez Um Alferes e Outras Histórias, que reúne três histórias publicadas em Portugal pela Editorial Caminho: "Os Alferes", "Casos do Beco das Sardinheiras" e "Quatrocentos Mil Sestércios".

Fora dos livros

E se o serviço público de televisão promovesse, em horário nobre, o monólogo paciente e pedagógico de um economista com inegáveis capacidades de eloquência capaz de elucidar pessoas pouco perspicazes no que aos mistérios melindrosos da economia diz respeito que, como eu, por mais que releiam os velhos manuais de história e um ou outro opúsculo de história económica, não conseguem perceber, de facto, de que se faz esta crise (percebendo, no entanto, ou pelo menos intuindo, que estamos aqui estamos todos bem lixados)?

Jorge Mateus e Luís Rainha, O Futuro Tem 100 Anos, Bizâncio



         Se fosse possível encetar um corte cirúrgico que revelasse o estado da arte da banda desenhada portuguesa contemporânea, a incisão revelaria duas tendências essenciais: por um lado, o diálogo com a produção contemporânea estrangeira, muito alicerçado na auto-edição, na experimentação em torno das possibilidades de uma linguagem e na atenção a outras formas artísticas, e por outro lado, a continuidade temática e estrutural de um filão com raízes no que por vezes se chama de ‘Idade de Ouro’ da bd portuguesa e que assenta numa ideia de diversão, quase sempre destinada a leitores mais novos, onde a gramática visual e narrativa se assume ora como de entretenimento, ora como pedagógica (porque se crê, erradamente, mais simples de entender do que um texto, por exemplo). Curiosamente, os resultados desta segunda tendência acabam por ter mais visibilidade editorial, muitas vezes graças aos apoios autárquicos ou empresariais que se associam a determinado projecto. É esse o caso deste O Futuro Tem 100 Anos, encomendado no âmbito das comemorações do centenário da CUF do Barreiro e destinado, segundo se lê na apresentação, “aos mais jovens”.
         Percebe-se o esforço na construção de um argumento coerente, que desvenda a história da CUF através da demanda de uma personagem em busca do seu passado, mas a imposição pedagógica acaba por impedir qualquer outro caminho, menos óbvio. As constantes analepses que permitem veicular fragmentos da história da CUF e da industrialização do Barreiro, bem como a linha narrativa que marca o presente da jovem protagonista (onde não falta o cliché de um baú perdido que vai revelar os segredos procurados, ou o comentário paternalista da personagem que diz “gosto de ver que ainda há jovens interessados pelo passado”) cumprem todos os requisitos para uma banda desenhada que só o é porque continua a sua linguagem a ser tida como o modo mais simples de pedagogia involuntária, pese embora o equilíbrio estético e narrativo de algumas pranchas e as soluções gráficas que, como nas vinhetas em que Alfredo da Silva (fundador da CUF) apresenta o plano de industrialização da cidade, deixam perceber o potencial criativo dos autores, já confirmado noutros projectos.

Sara Figueiredo Costa
(Texto publicado no suplemento Actual do jornal Expresso, 4 de outubro 08)

10 outubro 2008

Prémio Exame 2008

A edição de 2008 do Prémio Exame distinguiu a Porto Editora como a “Melhor Empresa na área da Edição, Informação e Artes Gráficas”.

Aviso à navegação

Este é um dos livros mais bonitos a passar pelas prateleiras das livrarias este ano:



A edição é da Orfeu Negro.

A arte da brevidade

No New York Times, o escritor Steven Millhauser disserta sobre a arte e as armadilhas do conto, terreno que conhece bem e de onde emergiu, há pouco, o livro Dangerous Laughter: Thirteen Stories, da sua autoria. Para ler aqui.


(ilustração de R. O. Blechman, certeira como sempre)

Prémios Pen Clube

Os prémios Pen Clube foram ontem anunciados. Na categoria de poesia, Helder Moura Preira, com Segredos do Reino Animal (Assírio & Alvim) e Daniel Jonas, com Sonótono (Cotovia), foram os autores distinguidos.
Na ficção, a escolha recaíu Jaime Rocha, com Anotação do Mal (Sextante).
No ensaio, os prémios foram atribuídos a José Vitorino de Pina Martins, com História de Livros para a História do Livro (Fundação Calouste Gulbenkian), e António M. Machado Pires, com Luz e Sombras no Século XIX em Portugal em Portugal (INCM).
O Pen Clube distingui ainda Francisco Camacho, por Niassa (Babilónia), e Maria Helena Santana, por Literatura e Ciência na Ficção do Século XIX (INCM), na categoria de primeira obra.

Fonte: Diário Digital

09 outubro 2008

O Nobel



E enquanto eu dormia, recuperando da noitada de trabalho que entrou pela madrugada, a Academia Sueca anunciou o nome de Jean-Marie Gustave Le Clézio. Nunca li nenhum livro de Le Clézio, por isso abstenho-me de comentários e vou tratar de escolher um para começar.
Sem mais nada para dizer, acho apenas que alguém devia dar um prémio a Eduardo Pitta: é que entre as apostas várias (e algumas tresloucadas) que por estes dias foram ocupando a blogosfera, foi ele que acertou na mouche. Também funciona para os números da sorte?

A British Library no ecrã

Ou pelo menos uma parte dela. A galeria on-line que a British Library abriu recentemente permite folhear algumas colecções que, de outro modo, só seriam acessíveis in loco e, mesmo assim, talvez não a qualquer leitor. E para além da disponibilização das obras, o site inclui comentários de especialistas, alguns deles curadores das exposições que a biblioteca acolhe regularmente, que ajudam a iluminar textos e manuscritos que a distância temporal ou cultural nem sempre torna imediatamente legíveis (é o caso das belíssimas espécies da colecção 'Sacred Texts', de que uma parte substancial esteve exposta ao público em 2007, e que inclui exemplares desde o século I da era cristã cuja apreciação ficaria muito aquém das expectativas sem os textos que se incluem no site). Se isto não é serviço público internacional, não sei o que possa ser.



(Páginas do Apocalipse de Silos, séc. XI/XII, que integrava a exposição 'Sacred Texts')

Machado de Assis visto pelos ingleses

No >Times Literary Supplement, Stephen Henighan escreve sobre Machado de Assis.

08 outubro 2008

Amanhã, dia cheio

O livro A Faca Não Corta o Fogo. Súmula & Inédita, de Herberto Hélder, chega às livrarias, com a chancela da Assírio & Alvim.



Ah, e ao fim da manhã, conheceremos o nome do Nobel da Literatura deste ano.

Leituras

No Guardian, Lauren Elkin escreve sobre literatura e identidade nacional. Para ler aqui e acompanhar a discussão que já vai assomando nos comentários.

Miguel Esteves Cardoso, Em Portugal Não Se Come Mal, Assírio & Alvim



         É sabido que a prosa de Miguel Esteves Cardoso há muito que devia constar dos manuais escolares e que não deve haver candidato a cronista que não alimente o sonho de um dia escrever como um epígono do mestre. Poder ler assim, de seguida, mais de setenta crónicas do autor sem a angústia de esperar pela semana seguinte é, por isso, um privilégio, muito para lá da importância documental. É egoísmo puro: não importa tanto se a edição em livro permite prolongar a existência dos textos, transformá-los no objecto devocional que os livros podem ser ou dar a conhecer o autor a mais leitores, eventualmente distraídos de jornais e revistas; o que importa realmente é que assim temos todas as crónicas na mão, sem esperas, sempre que quisermos.
         Alimentado pelas colaborações do autor no extinto DNA, este volume reúne as crónicas que MEC dedicou à comida (ou, como o próprio diria, ao ‘papinho’), e especificamente à comida portuguesa. Entre restaurantes, mercados e cozinhas caseiras, MEC elogia a qualidade dos produtos nacionais e o modo tradicional de os comer. O elogio não passa pelo nacionalismo que despreza a fruta espanhola, mas antes pela constatação de que ainda temos ingredientes verdadeiramente invejáveis de qualidade e frescura, sendo o modo mais simples e antigo de os consumir quase sempre o melhor. Não é que as maçãs espanholas sejam más, mas para quê perder tempo com elas se fomos abençoados com a doçura das maçãs ‘bravo esmolfe’ à porta de casa? E como se a sua palavra não bastasse, o autor deambula por descrições suculentas e pela partilha de conversas com verdadeiros conhecedores do tema – pescadores, peixeiras, merceeiros e outros – , que ajudam à confirmação: não é preciso gastar o ordenado mínimo num restaurante premiado ou embarcar num avião para Paris ou Roma; com pouco dinheiro e o conhecimento ancestral da época certa para cada produto (ou, em alternativa, com a ajuda dos vendedores dos mercados municipais, verdadeiros repositórios de segredos culinários), come-se muito bem por cá.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado na revista Time Out nº53, 1 Outubro 2008)

07 outubro 2008

Nós, os Portugueses



A apresentação do novo livro de Maria Filomena Mónica, Nós, os Portugueses, está marcada para esta noite, pelas 22 horas, no Casino da Figueira. A edição é das Quasi e a apresentação estará a cargo de Domingos Amaral.

Prémio Conto Infantil Ilustrado

As Correntes d'Escritas e a Porto Editora apresentaram um novo prémio, inserido na programação daquele que é, certamente, o encontro literário mais animado do nosso país. Como se lê no comunicado de imprensa, o prémio destina-se a distinguir anualmente um conto ilustrado, inédito, em língua portuguesa, escrito por alunos que frequentem o 4º. ano de escolaridade do 1º. ciclo do ensino básico, supervisionados por um professor. A originalidade do galardão reside no facto de premiar trabalhos colectivos, uma vez que só serão admitidos a concurso contos infantis, com ilustrações, redigidos em grupo pelos alunos, com um mínimo de três páginas e um máximo de dez.
O regulamento pode ser consultado aqui e os trabalhos deverão ser entregues até ao próximo dia 15 de Dezembro.

Obscena

O número 15 da revista Obscena (revista de artes performativas) já está disponível on-line, e ainda por cima, gratuitamente. É ir até aqui e comprovar.

06 outubro 2008

Os livros ardem mal

A época reabre hoje, com Francisco José Viegas como convidado da primeira sessão e com o painel habitual a compor a mesa (António Apolinário Lourenço, Luís Quintais, Osvaldo Manuel Silvestre e Rui Bebiano). É às 18 Horas, no Café-Teatro do TAGV, em Coimbra.

Sítios para visitar antes de morrer

Há livros que acompanham melhor as viagens do que os guias, já se sabe, ainda que os guias dêem um certo jeito. Barcelona não teria sido a mesma coisa sem a Homenagem à Catalunha e Londres seria mais luminosa (mas muito menos interessante) sem Dickens, Sherlock Holmes ou a Bloomsbury de Woolf e companhia. E foi a pensar nisso que David Del Vecchio criou a Idlewild Books, em Manhattan. A história vem no New York Times (e a livraria, claro, já consta da lista dos sítios para visitar enquanto se pode).

(Aqui, numa página pessoal do Flickr, podem apreciar-se algumas imagens do local).

Eduardo Lourenço

Assinalando os 85 anos de vida de Eduardo Lourenço, começa daqui a nada, na Fundação Calouste Gulbenkian, o congresso dedicado à obra do autor. Organizado pelo Centro Nacional de Cultura, com a colaboração de várias universidades e o apoio da FCG, o colóquio decorre hoje e amanhã. O programa pode ser consultado aqui.

03 outubro 2008

Triste notícia



Dinis Machado (ou Dennis McShade) morreu hoje, aos 78 anos. E ainda ontem, a braços com a insónia, lhe tinha relido as palavras que escreveu para a Ler, em 1992, a propósito da Barateira:

"Império empírico de um rapaz destinado a pôr o Shakespeare na sombra (se ele tivesse a lata de me pedir meças), a Barateira faz parte da minha formação, esse curriculozito tão exíguo e obstinado. E pergunto-me: - Serias capaz de te reconhecer sem todos aqueles anos de prateleiras que levavas para casa, essa feira inconcebível de trocas e baldrocas? Acho que não, confesso."

(Ler, nº18, Primavera de 1992)

Ver notícia no Público On-Line.

Livros para crianças

A partir da sua colecção de livros 'infantis', a Newberry Library programou uma exposição onde se podem ver exemplares desde o século XV até aos dias de hoje. Há livros de paragens diversas, em várias línguas, e alguns tesouros bibliográficos como a primeira edição ilustrada das Fábulas, de Esopo (1485) ou a primeira edição de Alice's Adventures in Wonderland, de Lewis Carroll (1865).


Mongolian ABC book (imagem retirada do site da biblioteca)

Intitulada Artifacts of Childhood: 700 Years of Children's Books, a exposição estará aberta ao público até ao dia 17 de Janeiro de 2009. A única coisa triste é a Newberry Library ficar em Chicago (e o Cadeirão Voltaire não dispor de pecúlio - o que eu queria escrever isto! - para ir até lá e contar como foi).

02 outubro 2008

Philip Roth



Ainda não é desta.

José Cardoso Pires

Assinalando os dez anos da morte de José Cardoso Pires (que faria hoje 83 anos), a Câmara Municipal de Lisboa preparou um programa cultural que decorrerá até ao próximo mês. Hoje, pelas 18h30, na Casa Fernando Pessoa, 'Os Amigos Recordam José Cardoso Pires' juntará António Lobo Antunes e Júlio Pomar, com moderação de Inês Pedrosa.
Mais adiante haverá exposições, um ciclo de conferências, cinema e documentários. Programação completa aqui.

Sublinhados XX

"Ficámos frente a frente, à luz do meio dia. Eu, senhor escritor da comarca de Portugal, e portanto animal tolerado, à margem, e ela, ser humilde, português, que habita ruínas da História; que cumpre uma existência entre pedras e sol, e se resigna (é espantoso); que é, ela própria, um fragmento de pedra gerado na pedra - um resto afinal, uma sobra; que se alimenta de nada (de quê?) e é rápida no despertar, e sagaz, e ladina, embora votada ao isolamento de uma memória do Império; que não tm voz, ou a perdeu, ou não se ouve..."

José Cardoso Pires, O Delfim (Dom Quixote, 18ªedição, p.81)

Fórum Fantástico 2008

Começa hoje e prolonga-se até ao próximo Domingo, no auditório da Faculdade de Belas Artes de Lisboa.
Às 18h30, debate-se o futuro do livro: “Existe ainda futuro no verbo ler?”, uma discussão sobre o futuro dos livros a nível tecnológico, terá moderação de Luís Filipe Silva e participação de Nuno Seabra Lopes, José Mário Silva, Pedro Marques e Paulo Ribeiro.
A programação completa está aqui.

01 outubro 2008

Leya e o livro escolar

A outra notícia do Público a chamar a atenção no que aos livros diz respeito é a do atraso da entrega dos manuais escolares das editoras do grupo Leya, que não é bem uma notícia, mas sim a continuação de um estado de coisas que se arrasta desde Agosto. Já estamos no início de Outubro e muitos alunos (nalguns casos, turmas inteiras) continuam sem livros essenciais, os professores começam a não saber o que fazer, os pais pressionam as livrarias e os livreiros tentam ter, sem grande sucesso, respostas da Leya.
Luís Filipe Cristóvão já tinha dado conta da situação em Agosto e Setembro, lamentando a falta de condições no armazém da Leya, a ausência de previsões sobre a data de disponibilização de vários livros do grupo no mercado e da ineficácia do atendimento, quer para venda, quer para esclarecimentos. Agora, o Público traça um panorama mais amplo, mostrando que o caos se instalou em escolas e livrarias de norte a sul. Para quem queria construir um grupo sólido, profissional e eficiente, a Leya não se tem saído nada bem.

Fnac e os 10%

Trabalhar madrugada fora tem destes inconvenientes: só agora, às duas da tarde, é que o Público me chega às mãos e, com ele, a notícia de que o desconto de 10% que ajudou a fazer da FNAC o gigante que é hoje vai passar a ser um privilégio dos detentores do cartão FNAC. Sobre isso, o Jorge Reis-Sá escreve no seu blog, bem como o Paulo Ferreira nos Blogtailors. À pergunta final deste último (“Se eu não tiver um cartão FNAC, que motivo temos para continuar a ir lá comprar livros?”), respondo com um óbvio ‘Nenhum!’. Aquilo que a FNAC parecia ser no início da sua instalação em Portugal, uma livraria com programação cultural, oferta diversificada, com novidades de todos os quadrantes, mas também com fundos sólidos, tem vindo a desaparecer aos poucos e há já alguns anos que o único motivo pelo qual valia a pena lá ir era mesmo o do desconto, ainda que às vezes isso pesasse um bocado na consciência de quem desconfia que os 10% a menos no preço seriam retirados do lucro da editora (peso que se combatia muito bem comprando apenas livros de editoras maiores e reservando a compra de livros da & etc, Antígona, Averno, Fenda, Quasi e outras para espaços mais amigos da edição). Isso e a hipótese de acumular pontos que podem ser trocados por cheques, o que em algumas alturas do mês se torna realmente simpático, permitindo a compra daquele livro que pensávamos não poder comprar tão cedo, a troco de nada. Agora a situação vai manter-se, bastando para isso aderir ao cartão. Deve ser isso que significa ‘levar o negócio dos livros a sério’, ‘crescer’ e ‘fidelizar a clientela’. Se isso vai fazer com que as vendas desçam e o público procure outros espaços ou se vai levar a um aumento exponencial do número de aderentes do cartão Fnac, ainda não se sabe. Mas que isso altere alguma coisa naquilo que tem sido a politica da loja, não me parece. Desde a abertura da loja do Chiado (a que conheço melhor) que as pequenas mudanças foram acompanhando uma degradação paulatina daquilo que podia ser um espaço de livros agradável. A redução, lenta mas substancial, dos fundos e de algumas secções em particular (a banda desenhada é um bom exemplo, mas haverá outros), a rotatividade acelerada das novidades, muitas vezes associada à desaparição rápida dos livros que há um mês estavam em destaque, a oferta cada vez mais concentrada nas edições que se encontram em qualquer sítio (acabando com aquilo que poderia diferenciar a loja de outros grandes espaços comerciais livreiros) e a constante mudança de espaços, de que o ‘encafuamento’ da secção infantil no antigo corredor de leitura, com pouco espaço para leitores e menos ainda para carrinhos de bebé, é o exemplo mais recente, mas ao qual se poderia juntar o desaparecimento misterioso dos sofás de leitura que marcavam, no início, a identidade da loja, são exemplos dessa degradação. Por entre tudo isto, e aceitando a lógica de mercado (da qual parece que não há fuga possível), o facto de o desconto de 10% passar a estar disponível apenas para os portadores do cartão nem parece a coisa mais grave. Não é assim que se fidelizam clientes no palavreado e na estratégia dos senhores do marketing?

Tirar os livros proibidos da estante e lê-los todos de uma assentada!



Estamos em plena 'Banned Books Week', o modo que a a American Library Asociation encontrou de assinalar a importância da liberdade de expressão e pensamento, defendendo o direito dos cidadãos a acederem a qualquer livro. Ou, nas palavras dos organizadores, "BBW celebrates the freedom to choose or the freedom to express one’s opinion even if that opinion might be considered unorthodox or unpopular and stresses the importance of ensuring the availability of those unorthodox or unpopular viewpoints to all who wish to read them. After all, intellectual freedom can exist only where these two essential conditions are met."
O Banned Books Read Out!, em Chicago, que juntou vários autores que já viram os seus livros serem candidatos a uma 'desaparição involuntária' das estantes das bibliotecas, já aconteceu, mas a programação segue noutras cidades, bem como no Second Life.

O Guardian, associando-se ao evento da American Library Association, dedica o seu quizz mais recente ao tema.

(A imagem lá de cima foi retirada daqui)

James Fitzgerald, O Prazer de Fumar Cigarros, Guerra & Paz



       Em anos tão higiénicos e moralizadores como estes que vivemos, publicar um livro intitulado O Prazer de Fumar Cigarros não deve ser tarefa que se abrace de ânimo leve... Mas sosseguem as mentes mais preocupadas com as más influências em letra de forma: logo no prefácio, James Fitzgerald deixa bem claro que fumar é um mau hábito e que ele próprio já tentou libertar-se dele. Pacificados os defensores dos pulmões alheios, siga-se adiante, acompanhando a relação do autor com os cigarros e partilhando da sua vastíssima informação sobre o vício mais estético do mundo (e esta não é uma opinião absoluta, estou ciente). Com um sentido de humor pleno de inteligência, capaz de rir dos outros e de si próprio, Fitzgerald agrupa dados sobre a presença do tabaco na publicidade ou no cinema com fait-divers de toda a espécie, incluindo fumadores famosos e perfis sócio-profissionais dos consumidores de marcas americanas tão populares como a Camel ou a Chesterfield. Assim, mais do que um elogio do tabaco, o autor traça um retrato antropologicamente muito interessante sobre a relação dos norte-americanos com os cigarros, apresentando histórias e fragmentos que surgem como um contributo valioso para melhor compreender a história quotidiana de uma das grandes potências do século XX. Com segurança, o leitor pode descobrir a origem de alguns ícones americanos, como o o homem do uniforme vermelho e preto, da Philip Morris, aprender a reconhecer gestos típicos de um fumador, descobrir como se enrolam cigarros ou acompanhar o processo que transformou os cigarros em serial-killers depois de anos de glória cinematográfica e glamour. E também pode rir-se um pouco com a ironia dos capítulos que propõem programas de dez dias para começar a fumar ou poses com o cigarro em função da imagem que o fumador quer transmitir aos outros. Tudo isto sem o menor impulso de acender um cigarro (a não ser que seja fumador, e aí o livro tem pouca influência). E nem foi preciso colocar um aviso na capa do livro.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado na revista Time Out nº52, 24 Setembro 2008)

O Jardim Assombrado

Assim se chama o blog que a Carla Maia de Almeida acaba de inaugurar. Segue para os links.

30 setembro 2008

As cartas de Norman Mailer

Na mais recente edição da New Yorker publica-se uma selecção de cartas de Norman Mailer que, para lá da leitura quase voyeurista que a epistolografia proporciona, constitui uma visão cronológica muito pessoal sobre a segunda metade do século XX, com reflexões de carácter político, partilhas literárias e dúvidas expostas 'em voz alta', como só nas cartas se podem expor tranquilamente. Os destinatários incluem a família mais próxima e os amigos, para além de uma ou outra missiva de carácter institucional, e as cartas abarcam um período considerável, começando em 1945 e terminando em 2005, dois anos antes da morte do autor.


(imagem retirada daqui)

Aqui, a missiva natalícia para Allen Ginsberg, em 1969:

To Allen Ginsberg

December 9, 1969
Dear Allen,
. . . This is just to say love to your manse and three cheers for the organic farming.
Yours sincerely,
Norman

P.S. People keep asking me to do pieces on what I think the ’70s will be like. Do you know I don’t have the remotest idea. We were sure of what would happen in the ’60s and we weren’t far from wrong. The ’70s are just a fearful blank to me. I hope it’s age rather than presentiments. Merry Christmas dear poet.

A saga de A Jóia de Medina

Apesar da duvidosa qualidade literária do texto, cuja publicação na Porto Editora foi recusada por Manuel Alberto Valente por esse mesmo motivo, The Jewel of Medina, de Sherry Jones, parece ter garantida a edição pela inglesa Gibson Square. E isto, contra todos os avisos e ameaças, que já se concretizaram num ataque à casa particular de Martin Rynja, a editora inglesa, e depois de algumas desistências editoriais (entre elas a da Randhom House) motivadas pelo medo de consequências mais graves. A Gibson Square mantém a sua decisão e o livro, ao que parece, mauzinho, acaba por ganhar contornos de resistência contra os atentados à liberdade de expressão que vão chegando de sítios diversos. Nem uma campanha de marketing bem orquestrada faria tanto por um livro mau, cuja publicação apetece defender com todas as forças, mesmo dispensando a leitura de qualquer capítulo.

Da Galiza III

"Abecedario de árbores"

bidueira é con b de branco
branco como a lepra,
os longos rabos do b
desempenados como riscas de xiz.
Na cortiza branca da bidueira
sutil como a casca do ovo
os indios de tempos idos
(antes do alcohol barato, das plumas de plástico)
escribían mensaxes instantáneas
fráxiles como todo o que vale a pena.
bidueiras como mulleres de loito,
como prisioneiros famentos
na interminable estepa do país do Medio,
unha mitteleuropa ou outra,
montando garda ós espectros
de Dachau ou Matthausen.

ollo coas acacias,
con c de coitelo.
son máscaras de entroido
que esconden o gume das súas follas
nun estoupido de lámpadas amarelas.
Unha acacia ou mimosa nun entroido, hai anos,
partiume a lingua en dous.

e que dicir das magnolias
con m de mágoa
que te asaltan por sorpresa
con esa creación excesiva
de flores pesadas como chumbo,
as linguas ou sexos dos pétalos
murchas antes de abrirse.
Non quero ver magnolias, non
teñen contención, non
son discretas.
Esa paleta de cores carnais
non se acorda coa miña roupa
nin cos mobles do living room.

plataneiro, con p de prender,
con p de pólvora e pincel,
falsos como ningunha árbore,
que levan na codia un mapa
con promesas de viaxes incumpridas.

árbores de inverno,
o último libro que
Sylvia
antes de pousar a cabeza
no acougo enganadizo
do forno de gas.

Marilar Aleixandre, in Abecedario de árbores, 2006

29 setembro 2008

Câmara Clara e PNL

O vídeo da emissão de ontem do Câmara Clara já está disponível no site e vale a pena acompanhar a discussão entre Francisco José Viegas e Isabel Alçada a propósito do Plano Nacional de Leitura. Com o avançar da conversa, percebe-se onde é que as coisas se separam: para Isabel Alçada, o importante é que os miúdos leiam, porque só assim podem ganhar hábitos de leitura. Certo. Mas FJV levanta a problemática das escolhas, questionando, de um modo mais ou menos directo, os critérios que presidiram à definição das listas do PNL. Isabel Alçada assegura que não há livros mal escritos ou com erros. FJV insiste na necessidade de se pensar noutros critérios. E o espectador, pacatamente sentado no sofá, percebe que não houve outros critérios, ou pelo menos outros critérios directamente relacionados com a existência de um cânone, quando Isabel Alçada pergunta 'E quem é que define esse cânone?', desvalorizando o peso dos clássicos e a selecção do tempo e contrapondo à presença do cânone numa escolha do tipo do PNL a importância de dar a ler tudo, para os miúdos lhe ganharem o gosto. Subjacente a isto, e não radicalizando demasiado a qualidade do que se dá a ler (o que implicaria impedir, ou evitar, leituras menos boas, e isso parece-me obviamente pouco produtivo) fica uma ideia muito pobre do que subjaz à promoção da leitura e uma dúvida: se os miúdos só lerem manuais de instruções da Playstation até aos dez anos serão capazes de, algum dia, ler qualquer outra coisa? É uma leitura como qualquer outra, pelo que, seguindo esta lógica, devia estimular o gosto e o hábito de ler. Estimulará? Do mesmo modo, um miúdo que cresce sem qualquer acesso (adaptações incluídas) aos 'clássicos' (sim, os do cânone), algum dia terá capacidade para os ler?

Da censura

Philip Pullman, que viu o seu livro The Golden Compass sofrer várias ameaças de proibição em bibliotecas norte-americanas, escreve sobre a experiência, os motivos e os efeitos da censura. Para ler aqui, no Guardian on-line.

26 setembro 2008

V. S. Naipaul na Gulbenkian

No âmbito da exposição «Weltliteratur - Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o Mundo!», qua inaugura na próxima terça-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, o escritor V. S. Naipaul virá a Lisboa para participar no ciclo de conferências que decorrerá em paralelo (entre 1 de Outubro e 17 de Dezembro).
A exposição, comissariada por António M. Feijó, estará aberta ao público até ao dia 4 de Janeiro de 2009.



Fonte: Diário Digital

Bibliofilias


No Leilão Ameal. Crónicas Amenas de uma Livraria A Menos
Matos Sequeira
Letra Livre, 2008

A inaugurar a colecção 'Bibliofilias', a Livraria Letra Livre reeditou No Leilão Ameal. Crónicas Amenas de uma Livraria A Menos, de Matos Sequeira (originalmente publicado em 1924). Os apontamentos cronísticos sobre o ambiente dos leilões lisboetas de livros no início do século XX ensinam tanto como divertem, expondo as manhas e os rituais dos bibliófilos, as angústias que se sucedem à compra, por outra pessoa, do livro desejado e os habitués da bibliofilia.
Aqui ficam dois pequenos excertos:

"É ainda o Sr. Potter - a quem um dos assistentes chama o Potter das Almas - quem arremata a Corographia, do padre Carvalho, por 510$00. O Dr. Perry Vidal, como não consegue comprar nada, atira com os livros para cima da mesa e entorna cinzeiros. É um verdadeiro ciclone!
Chega a vez de Camilo. Alerta, camilianistas! São só quatro obras: as Folhas Cahidas, a Historia de GAbriel Malagrida, a Maria! não me mates! e o Matricidio sem exemplo. Todas elas não chegaram a 230$00. E acabou-se." (pp.20-21)

"O Estado ainda não arrematou um único livro, nem sequer tem comparecido. Falta de verba? ou não haverá na livraria obras que o interessem?" (p.55)

Livros sem censura

Os ecos do documentário Obscene, de Neil Ortenberg & Daniel O'Connor, sobre a vida e a obra de Barney Rosset, editor da Grove Press e da Evergreen Review, chegaram esta semana ao New York Times. Dos problemas com a justiça puritana que não gostou de ver Henry Miller ou D.H. Lawrence em letra de forma, até à condecoração do National Book Foundation, que receberá em Novembro, pela sua luta pela liberdade de expressão, a vida de Barney Rosser guarda muitas histórias, nem todas tão conhecidas como estas.
Virá ao Doc. Lisboa?


Na imagem, Barney Rosset com Samuel Beckett, em Paris, 1956
(retirada da Syracuse University Library)

25 setembro 2008

Da Galiza II

Cociño a todas horas para precipitar os alimentos crus
nos abismos da pota. As galletas maría
(sutilmente esmagadas)
engordan (disque) a salsa de tomate.
Non dispoño de método pero exhumei un libro de receitas
que parece un compendio do universo.
Da natureza dixo galileo
que era un grande tecido (calceta, macramé)
e o papel de cebola serve para calcar os versos que nos gustan.
Sempre a cebola tarda (tremede, lacrimais) en desfacerse,
por iso é o primeiro que se bota.
Nos queimadores, en cuestión de segundos,
o lume ocupa o lugar da indiferencia.

María do Cebreiro, in O Estadio do Espello, Edicións Xerais, 1998

24 setembro 2008

Notas de Praga (Agosto 08) IV

Um eléctrico fotogénico deixa-me a poucos metros do Mosteiro de Strahov, um pouco acima do plano médio da cidade, de um lado casas, do outro bosque. Fundado no século XII e várias vezes reconstruído e acrescentado, o principal interesse de Strahov não está tanto na arquitectura, ou nos monges que ainda habitam o mosteiro (e que passaram ao longe, quando o sino tocou, numa revoada apressada de hábitos brancos), mas na sua biblioteca, dividida pelas Salas Filosófica e Teológica. São mais de oito séculos de livros, com predominância de textos religiosos e teológicos, estudos de biologia, astronomia e física, as obras dos grandes filósofos e alguns antifonários para o acompanhamento das diferentes horas monásticas. Em qualquer das salas, a visão é impressionante, de um modo que as imagens nunca poderão explicar. O silêncio e o facto de as salas estarem vazias de qualquer presença humana, contrastando com a riqueza que se adivinha por detrás das lombadas, criam uma solenidade difícil de descrever. Para além da beleza das estantes, dos tectos, dos objectos e do mobiliário, creio que a solenidade advém tanto da presença dos milhares de livros como da impossibilidade de nos aproximarmos deles. Por razões de preservação patrimonial, os visitantes têm o acesso restrito à porta de ambas as salas, de onde podem contemplar a imensidão bibliográfica. E isso, apesar de compreensível, cria uma angústia que só a visão da beleza de ambos os espaços serena um pouco. A vontade de entrar, folhear os livros, passar algum tempo a elaborar um plano meticuloso de leitura e estudo, mesmo sabendo que o tempo de vida útil não chegaria para todas as espécies presentes, persiste. E persiste do modo mais egoísta, porque o que se deseja é fazer tudo isso sem os grupos que constantemente se aproximam das portas, apontando para os globos e as estantes e falando alto. O que se deseja, ao fim de alguns minutos de contemplação, é deixar as pessoas saírem e ficarmos nós ali, no silêncio do mosteiro vazio, com a luz que se quebra nas janelas, percorrendo prateleiras e escolhendo leituras.


Sala Filosófica


Sala Teológica

(As imagens são retiradas de postais)