29 dezembro 2007

Ainda os balanços II

O suplemento Babelia, do jornal El País, também traz o seu balanço literário de 2007 (legível aqui), bem como um texto de Alberto Manguel sobre a febre dos balanços, que acaba com esta provocação:

Oscar Wilde arguyó que hacer listas de lo que hay que leer es una tarea inútil o perniciosa, puesto que un auténtico aprecio por la literatura es siempre cuestión de temperamento y no puede ser enseñado. Propuso en cambio listas de lo que no hay que leer: las obras teatrales de Voltaire, la Inglaterra de Hume, la Historia de la filosofía de Lewes... Siguiendo su ejemplo, Mark Twain opinó que la mejor forma de iniciar una biblioteca es evitar las novelas de Jane Austen. Prevenir, dicen, es mejor que curar. ¿Se atreverán nuestros suplementos literarios a tales osadas alternativas?

Ainda os balanços

Na senda do post da Andreia sobre os balanços literários, recomenda-se a leitura do Actual de hoje, onde António Guerreiro assina um texto que, não sendo exactamente um balanço literário de 2007 tal como se esperaria (com as habituais listas de títulos), diz muito sobre as contradições entre as leituras e o ‘mercado’. No fim de um ano agitado pela compra e venda de editoras e pela concentração editorial nas mãos do grupo Paes do Amaral, ano em que talvez se tenha falado mais do tal ‘mercado’ – e de marketing, de comunicação do produto, de estratégias de venda... – do que de livros e leituras, fica uma espécie de aviso: “A concentração da leitura em cada vez menos títulos – e em cada vez menos espécies bibliográficas – , seguindo a par da concentração editorial, é potenciada por uma lógica coerciva da cultura como consumo. A substituição do leitor pelo consumidor, nas estratégias editoriais, levou a uma multiplicação de títulos novos, mas a um empobrecimento da escolha. Mas há sinais de que o sistema editorial e de divulgação se tornou hipertélico, isto é, vai para alem dos seus próprios fins e começa a entrar num processo de saturação. Desta Babel desesperada, hão-de surgir alternativas. O que não é viável é que a esfera pública literária, tanto no plano da edição como no da divulgação e da critica, seja alimentada pela ideia de um público leitor acrítico e sem autonomia. O exemplo das televisões mostra bem quão nefasta é esta ideia.” (António Guerreiro, “A Funesta vertigem”, in Actual - Expresso, 29 Dez. 2007)

28 dezembro 2007

Balanços

Façamos um balanço: que livros nos lembramos de ter lido este ano? Sem ir à estante, sem recorrer a blocos de notas, informações cibernéticas ou suplementos literários. O teste da memória fará, muito provavelmente o nosso balanço literário de 2007. Para que precisamos nós de balanço?
Para fazer história. Organizando os fragmentos de memória que nos assolam e de que não nos queremos esquecer nem apenas lembrar aleatoriamente. O balanço serve o registo da nossa biografia, tanto quanto a escolha serve a nossa identidade. O balanço é uma espécie de reconhecimento, verificamos se os desejos para o ano que agora termina se cumpriram ou não.
Para quem lê, o seu balanço literário pode ser importante. Mas a história não se escreve sozinha, e os balanços dos suplementos, das revistas ou dos magazines são relevantes. Em torno dos seus juízos reúnem todos os leitores. São, por isso, a origem da comunicação. Só o balanço autorizado tem autoridade reconhecida para escolher, só ele serve como referência colectiva. Sem ele, não há concordância ou discordância, sem ele não há desvio, sem ele não há dentro e fora do cânone. O balanço literário fixa o cânone e é por isso inevitável e redutor. No balanço de 2005, do suplemento Actual (Jornal Expresso, 30 Dezembro, 2005), Ana Cristina Leonardo tece as seguintes considerações: «Chegado o fim do ano, desatamos a preencher colunas do deve e haver literário, tentando encontrar sentidos e tendências. Não sei se as conclusões (possíveis) justificam o propósito, já que, no meio da avalancha de livros, o crítico arrisca-se a deixar escapar a excepção. (…)O mundo não é justo, os balanços muito menos. Serão úteis? (…) Há muito que o livro deixou de ser um objecto cultural no sentido forte para passar a ser um objecto de consumo no sentido lato.» O consumo implica uma actualização ininterrupta e mediada para minorar a tensão de se conseguir comunicar sempre no presente. O balanço tem assim duas faces: a da reflexão literária e editorial que fixa o cânone e a história da leitura; e a lista enquanto instrumento de comunicação.
Se o cânone deve obedecer a tais mecanismos, é reflexão prolongada e imbricada. Se o cânone tem, sequer, autonomia, ou resulta de uma amálgama de efeitos em movimento, entre os quais podem constar os balanços…
Certo é que a lista promove a identificação e o acesso ao objecto e ao seu reconhecimento. A comunicação é então possível e os receptores estão aptos a descobrir os livros, a ler os mais significativos, a erigirem a sua biblioteca sobre as fundações dos best-off. Os balanços estão numa escala de instrumentos de comunicação literária: há os best-sellers, os balanços e as novidades das feiras ou das rentrées. Os best-sellers aproximam os leitores numa imensa comunidade, dão-lhes confiança e uma felicidade mais facilmente partilhável, reconhecível por muitos, cúmplice em espaços públicos, transmutável para a intimidade. Os best-sellers pacificam. Os balanços garantem o conhecimento de qualidade, servem círculos mais restritos, ajudam já em processos cognitivos de relacionamento (outro livro de um autor que já se leu; o melhor livro sobre um tema; uma tradução de excelência; uma primeira obra ou uma antologia). Os balanços consolidam o conhecimento. Finalmente as novidades servem os acossados pelo tempo, os que temem não poder participar em qualquer diálogo por desconhecimento, os que desejam estar aptos para comunicar com todos.
Gosto de balanços. Gosto de balanços passados. Gosto da sensação de reconhecimento, gosto da reflexão, da apresentação de critérios. Gosto quando dou comigo a pensar que achava que aquele livro não era de 2006, mas de 2005… Os balanços têm acima de tudo a marca do seu tempo, que, quando relida, pode ser surpreendente. Porque, apesar da sua autoridade, não são muitas vezes o bastante para sustentar o livro no tempo, e esse é o maior desafio de todos.

Preâmbulo

Tomo hoje o meu lugar neste cadeirão. Aqui partilharei dúvidas e ideias sobre teoria da literatura e estudos literários, procurando trilhar um caminho por entre Os lugares do cânone. Aqui deixarei registo Da retórica dos textos, procurando aclarar o seu sentido para mim.
O cadeirão será um lugar de diálogo reflexivo e especular, onde as heranças se recuperam e ganham nexos de relação.

Encontros felizes

Na Fnac do Chiado, com a desordem das prateleiras a indiciar a aproximação do inventário e uma multidão enfurecida gastando o dinheiro recebido no Natal, eu procurava um volume com as primeiras crónicas de Nélson Rodrigues quando dois livrinhos de capa mole e lombada discreta desviaram a minha atenção (e exigiram ser resgatados de entre os livros tombados ao acaso nas prateleiras da literatura brasileira):

27 dezembro 2007

Ainda na ressaca do Natal

Para além da família, dos amigos, das presenças e da memória das ausências, o Natal também se faz com algumas constantes: gestos, músicas, filmes, livros. E se na memória dos meus natais de sempre há uma receita de rabanadas com algumas gerações que nunca falha, também há a presença de A Christmas Carol de Charles Dickens, primeiro sob a forma de filme televisivo, depois em letra impressa. E no The Times Literary Supplement encontra-se um belo guia para o texto de Dickens, em dois capítulos. Para ler aqui e aqui.

Em espera

Nas estantes da sala, há livros novos em fila de espera por um lugar para as lombadas. E pelo chão há jornais acumulados, mesmo a pedirem selecção e algum tempo para ordenar as leituras que ficaram para trás. Corre-se com demasiada pressa nestes dias de Natal.

22 dezembro 2007

Pausa



A pausa natalícia impõe-se. Há rabanadas para fritar, prendas para embrulhar e outros rituais aos quais é difícil escapar. Para além disso, há uma leitura pesada (até no sentido literal, que o livro tem umas oitocentas paginas...) para fazer até pouco depois do Natal. Por tudo isso, o Cadeirão volta a ter uso lá pelo dia 26.
Bom Natal para todos.

21 dezembro 2007

Paisagem e Nação

'Paisaxe e nación: a creación discursiva do territorio', de María López Sández, venceu o prémio Ramón Piñeiro de 2007. O ensaio aborda a relação entre o território e a identidade e o modo como essa relação serve de base ao discurso literário o que, no caso galego (como em vários outros, claro) assume um interesse particular. O livro será publicado na Galáxia.

Negócios

No suplemento de Economia do Público há uma entrevista com Jeff Bezos sobre a estratégia da Amazon e os seus doze anos de negócios bem sucedidos. Fica a nota, mas fica também o aviso: fala-se muito de estratégias comerciais, marketing, relação com o cliente, e muito pouco de livros.

20 dezembro 2007

Biblioteca on-line

No site da British Library podem acompanhar-se as exposições patentes no edifício da biblioteca, em Londres, acedendo a vários exemplares digitalizados e a muitas outras informações relevantes.
Na página dedicada à exposição Breaking the Rules: The Printed Face of the European Avant Garde 1900 – 1937, patente até ao dia 30 de Março (quem passar por Londres, depois escreva-nos a contar...) há intervenções dos curadores e de alguns convidados sobre vários exemplares expostos e podem ver-se algumas pérolas bibiográficas da época.
Sobre a exposição anterior, Sacred Texts (que tive a sorte de ver este ano e sobre a qual prometo escrever um destes dias) há vários textos e podcasts para ouvir, bem como a possibilidade de 'folhear' manuscritos e impressos datados de entre o século V e o XX.
E já agora, para quem não consegue fugir aos cartões natalícios via e-mail, há uma lista considerável de e-cards de Natal que podem ser enviados gratuitamente, aqui.

Destinos

Se fosse possível escolher um destes destinos para refúgio da época natalícia...



Dictionnaire des lieux imaginaires, de Albert Manguel e Gianni Guadalupi (Livre de Poche), é mesmo o livro certo para trazer no bolso por estes dias. Os mais atentos pensarão que escolhemos destinos para o final do ano e nunca ninguém imaginará que oscilamos entre fugir para Shangri-La ou enviar a multidão natalícia para Mordor.

19 dezembro 2007

Negócios misteriosos

Prossegue a demanda do Engenheiro Paes do Amaral... Sobrarão editoras depois de tanto negócio?

Da cobiça



William Blake, Cantigas da Inocência e da Experiência, Antigona
(edição bilingue e fac-similada, com tradução e introdução de Manuel Portela)

18 dezembro 2007

Crónica dos Lugares II

Na lista dos sítios nada turísticos mas absolutamente essenciais para visitar em Dublin tinha anotado o nome de uma livraria, a Connolly Books, depois da recomendação de uma amiga emigrada na Irlanda do Norte (e agora redescoberta na blogosfera). ‘No número 43 da East Essex Street’, garantiu ela, ‘encontras uma livraria que tens mesmo de conhecer’. Estava certa. A Connolly Books oferece o mundo a quem queira descobrir a literatura e a cultura irlandesas e o paraíso a quem procure livros, jornais ou panfletos com queda para a esquerda – nomeadamente, para o Communist Party of Ireland, o que desagradou um bocadinho à minha costela pouco dada a partidos comunistas tradicionais, mas enfim...
O sítio não era muito visitado por turistas e isso foi visível assim que entrei. O livreiro recebeu-me com curiosidade, mas deixou-me deambular pelas estantes à vontade, encetando a conversa apenas quando me viu aproximar da bancada mais perto do balcão. O sotaque esquisitoide não enganava ninguém – era óbvio que eu não vinha de nenhum país de língua inglesa. À palavra Portugal reagiu com um comentário entusiasmado sobre a ‘revolução dos cravos’, aos meus parcos conhecimentos sobre a Irlanda reagiu com orgulho disfarçado e à minha ausência de militância partidária não reagiu de todo. Foi a literatura que desbloqueou a conversa. Eu já tinha comprado alguns livros noutras livrarias da cidade e o que procurava, naquele momento, para compor a minha biblioteca era qualquer coisa abrangente, que me permitisse levar para casa toda a literatura irlandesa que não podia comprar. Modern Irish Short Stories foi a primeira recomendação. Muito para ler e a possibilidade de conhecer vários autores num só livro convenceram-me. Seguiu-se o The Oxford Companion to Irish Literature. Era caro, mas eu não nasci para regatear (e tenho pena, mas é mesmo uma incapacidade total), por isso hesitei. Era da Oxford University Press, o que para o livreiro era um defeito e para mim uma qualidade, apesar de toda a minha simpatia pela causa irlandesa. Percebendo tudo, o homem propôs-me um negócio que só me beneficiava a mim e que eu aceitei depois de confirmar que ele sabia ser o único prejudicado: vendia-me o The Oxford Companion to Irish Literature com um desconto assinalável se eu levasse também um pequeno opúsculo sobre James Connoly, oferecido pela casa. Reagi ao nome de Connolly e ao sorriso algo matreiro do livreiro seguiu-se a epifania: eu conhecia James Connolly! E de repente, a minha não militância partidária já não era importante; eu conhecia Connolly, eu tinha lido alguma coisa sobre a independência da Irlanda, eu tinha de ser boa pessoa. Nesse dia percebi que não vale a pena discutir com um irlandês repentinamente comovido. Paguei os livros, agradeci o desconto e prometi ler o folheto sobre Connolly de fio a pavio, promessa que cumpri assim que cheguei a Lisboa.



No dia em que visitei a Connolly Books esqueci a habitual fotografia da entrada, pelo que o único registo visual que tenho do lugar foi tirado no dia seguinte, infelizmente, já com o estaminé encerrado. Quando procurei pela livraria na internet, esperançosa de encontrar mais imagens, deparei-me com um estabelecimento renovado: a entrada já não é vermelha e amarela e o interior perdeu alguma da sua atmosfera de conspiração. As estantes empenadas até ao tecto e o quase lusco-fusco permanente desapareceram. Do livreiro não sei nada; não aparece nas fotografias. Apesar disso, parece continuar a ser um local agradável, mas eu prefiro lembrar-me do espaço como era nesse fim de Verão de 1997 e do seu cicerone, casmurro, generoso e irlandês.

17 dezembro 2007

Cresce o monte dos jornais

Já tem uma semana, e os jornais querem-se fresquinhos, mas como é o Babelia, vale a pena repescar: um dossier sobre a Geração de 27, em Espanha, que ainda está disponível aqui.

Revista do ano

A equipa do The Guardian apresenta, aqui, as suas escolhas livrescas do ano que está a acabar.

15 dezembro 2007

Sublinhados III

“GRITAR

O panarício é um sofrimento atroz. Mas o que mais me fazia sofrer era não poder gritar. Porque estava num hotel. Fizera-se noite e o meu quarto estava metido entre dois outros quartos onde alguém dormia.
Pus-me então a atirar para fora do meu crânio tambores, instrumentos de sopro e um outro que ressoava mais do que órgãos. E tirando partido da força prodigiosa que a febre me dava, fiz daquilo tudo uma orquestra ensurdecedora. Tremia tudo com as vibrações.
Certo então de que neste tumulto a minha voz não poderia ouvir-se, pus-me a bramir, a bramir durante horas, e lá consegui aliviar-me aos poucos.”

Henri Michaux, O Retiro Pelo Risco (Fenda; tradução de Júlio Henriques; p.24)

14 dezembro 2007

Obelisk Press

Chegou recentemente às livrarias inglesas um volume muito apetecível sobre a Obelisk Press, uma das editoras fetiche do imaginário livresco de qualquer bibliófilo (e mesmo do imaginário livresco de quem ainda possa não a conhecer...). Obelisk: A History of Jack Kahane and the Obelisk Press , de Neil Pearson, tem edição da Liverpool University Press e o Times Literary Supplement dedica-lhe uma recensão, aqui.

13 dezembro 2007

Edoi Lelia Doura

O fragmento do poema de Pedro Eanes Solaz, que intitulou a antologia de poesia portuguesa que Herberto Hélder publicou em 1985 (na Assírio e Alvim), é agora o nome da nova colecção de poesia contemporânea que a editora galega Sotelo Blanco começou a publicar há poucos dias.

Calendário

A RTP2 lá cumpriu calendário, passando um documentário sobre Fernanda Botelho no dia seguinte à sua morte (só apanhei o fim, mas julgo que seria 180º, de António José de Almeida). Os jornais pouco falaram do assunto, como se o trabalho de Fernanda Botelho pouco importasse... ou talvez como se o desconhecessem.

12 dezembro 2007

Babélico

O José Mário Silva tem um novo espaço, chamado Bibliotecário de Babel, dedicado aos livros e ao mundo à sua volta. Temas caros ao Cadeirão cá da casa, que iremos acompanhando com regularidade (e com satisfação, de certeza) aqui.

Nada

A décima edição da revista Nada já está à venda.



Alguns destaques, no índice:

JORGE LEANDRO ROSA
O Corpo e a Carne: Duplicidades Contemporâneas

LUÍS GRAÇA
Intersecções, confrontações, apropriações, incorporações, comparações, relações: A arte biológica vista do laboratório

SUSANA VENTURA
E o elevador irrompeu em direcção ao céu, atravessando as nuvens, rumo ao infinitoŠ

JOÃO OLIVEIRA
Irene Izes

A DASILVA O
Incontornável

BYRON KALDIS
Estudos Culturais e Formas de Arte Pós-Moderna: Os Novos Movimentos Sociais?

A Construção Política da Esperança Colectiva
DANIEL INNERARITY

SUSANA VIEGAS
A Máquina Desejante de João César Monteiro

ADAM ZARETSKY
Birland & Balde de FACS

SILVA CARVALHO
Reflexões

JOÃO URBANO
O Homem sem Bagagem

Entrevistas a JOSÉ LUÍS GARCIA [A geração de 60/70, as metamorfoses da política e os dilemas da tecnociência] e a RUDOLF BANNASCH [O futuro começa agora]

Mais informações no site da revista.

O colosso

Tem vindo a ser anunciada como ‘a maior livraria do país’, e isso deixa-me desconfiada. Não por poder ser mentira, mas porque esta obsessão com ‘a maior’ me remete directamente para a febre dos recordes que parece assolar o pais, lançando toda a gente em busca desesperada pelo seu recorde pessoal, o maior, o melhor, o mais alto, o que durou mais tempo, o que chegou mais longe, o melhor Guiness de todas as eras... Não sei se a Byblos é a maior livraria do país, e isso interessa-me pouco, principalmente quando me lembro de meia dúzia de livrarias pequeninas onde costumo encontrar quase tudo o que procuro, e atenção dedicada ao que não encontro. Mas o que parece ser interessante aqui é a mistura de conceitos, com as novidades a conviverem com os fundos, o que normalmente não acontece. Por exemplo, na Fnac, encontramos várias bancadas e escaparates com as sete mil e quinhentas (!) novidades da semana, e já sabemos que só as veremos por lá durante, vá lá, sete ou oito dias, com alguma boa vontade; depois irão para as prateleiras e depois para o buraco negro das grandes livrarias (que ainda não descobri onde fica, mas imagino que perto das editoras que recebem de volta os livros, ficando sem saber o que lhes fazer). Os fundos... bem, os fundos são uma piada. Na Fnac não há fundos, há umas amostras de coisas que saíram há mais tempo, para enganar o leitor incauto, mas fundos propriamente ditos, não há. Para confirmá-lo, basta fazer a experiência de procurar meia dúzia de títulos com mais de um ano (se for com mais de três, então, o exercício torna-se hilariante), todos relativamente conhecidos ou tidos como obras essenciais. Eu já experimentei e não encontrei nenhum dos livros que procurava. E se outra livraria conseguir, de facto, juntar novidades e fundos de forma séria, então temos livraria colossal na área.
Voltando à Byblos, está a ser transmitida a ideia de que qualquer livro editado em Portugal estará disponível na livraria, tendo em conta o seu enorme espaço e a vontade da gerência relativamente aos fundos, e será facilmente encontrado, graças ao sistema inteligente de procura de títulos nas estantes (por sistema inteligente entenda-se um sistema informatizado de estantes com ligação directa ao inventário da livraria e, claro, ao computador. Pelo menos, foi o que eu, pouco dada a sistemas inteligentes que envolvam informática, percebi). Se assim for, muitas das emergências bibliográficas que às vezes assolam os fins de semana serão resolvidas com uma ida às Amoreiras (espero que o horário seja alargado...) e eu baterei na boca sempre que me lembrar de ter desconfiado da beleza de um sistema inteligente de procura de livros com plasmas e letras digitais envolvidas. Mas enquanto não há forma de confirmar tudo, o melhor é lerem o que os rapazes do BlogTailors têm dito sobre o assunto depois de visitarem o espaço na azáfama pré-inauguração. E eles percebem a sério de sistemas inteligentes de procura de livros e tudo. E não são tão desconfiados como eu. Eu cá vou até à minha estante ver se encontro, de dedo em riste e memória visual activada, um livrinho do Michaux que me está a fazer falta para um artigo. E se calhar encontro outro e fico por lá.

11 dezembro 2007

Sublinhados II

“Descobri, de um modo geral, que, nestas alturas em que o coração pesa, a melhor coisa a fazer é enroscarmo-nos com um bom romance de detectives e tentarmos esquecer tudo. Felizmente eu tinha arrumado na mala entre os meus pertences um livro chamado Assassínio na Herdade de Greystone. Comecei a virar as páginas e percebi que não podia ter feito uma jogada mais sábia. Era um desses livros em que estão sempre a descobrir baronetes mortos nas bibliotecas e em que a heroína não pode ir uma única vez para a cama sem que uma coisa surja, saída de um dos painéis de parede do quarto dela, e comece a andar por ali armada em importante, e não demorou nada a que eu me sentisse calmíssimo a ponto de apagar a luz e cair num sono revigorante, que durou, como sempre duram os meus sonos revigorantes, até à chegada da chávena de chá matinal.”

P.G. Wodehouse, Época de Acasalamento (Cotovia/Livros da Raposa; tradução de Alexandre Soares Silva; p.67)

10 dezembro 2007

Crónica dos Lugares

Quando vivia em Santiago de Compostela era cliente habitual de um alfarrabista de nome ‘Follas Vellas’, cuja caixa registadora recebeu com agrado uma parte considerável do dinheiro que fui ganhando com as explicações de português. O nome é simultaneamente um trocadilho com o título Follas Novas, de Rosália de Castro, e com a livraria homónima do livro da poeta galega, ali a dois ou três quarteirões. Com duas salas forradas a estantes até ao tecto e algumas bancadas no centro, a Follas Vellas é um manancial de livros em galego e castelhano onde, para alem dos clássicos, podem encontrar-se algumas pérolas bibliófilas (como a Galeuzca, para o qual o pecúlio das explicações não chegou), periódicos de toda a espécie e vinis que não lembram a ninguém. Por lá me abasteci de livros de Castelao, Pondal, Curros Henriquez ou Rosalía, bem como de alguns livros essenciais da literatura espanhola, sempre em troca de poucas pesetas (ainda as havia) e com a certeza crescente de que o juízo final havia de ser duro (o juízo final chegou realmente no dia em que tive de voltar para Lisboa, mas a boa vontade materna evitou que fosse apocalíptico, ao ir recolher o rebento e os seus vários caixotes de livros de carro... Ainda hoje penso no balúrdio que teria gasto em encomendas dos correios se tivesse escolhido um destino mais longínquo e menos acessível por auto-estrada para viver e estudar).
O dono das Follas Vellas era um sujeito intrigante, de cabelo e barbas brancas, óculos fundo de garrafa e sempre de poucas falas. Nas muitas tardes que passei em volta daquelas estantes, nunca ouvi uma conversa mais afectuosa com algum cliente habitual e convenci-me de que o homem seria antipático ou, em alternativa, pouco dado a felicidades por ver partir os seus livros (coisa que eu compreendia muito bem). Mas no último dia em que lá fiz compras vi-lhe um sorriso quase simpático enquanto fazia a minha conta, sorriso esse que surgiu acompanhado de um desconto generoso. Agradeci, intrigada e algo temerosa, e já em casa conferi os livros que tinha comprado em busca de uma explicação. Não sei se foi este o motivo, mas todos os livros que comprei nesse dia estavam escritos em galego, e todos eram de autores conotados com o galeguismo mais militante. Pode ter sido coincidência, mas ainda hoje gosto de contar com o alfarrabista de barbas brancas por entre a minha galeria de personagens brumosas e heróicas, bradando por uma causa que todos crêem perdida com as mãos cheias de livros.

07 dezembro 2007

Os livros que ninguém quer ler

A notícia vem no The Guardian, mas foi no Auto-Retrato que a descobri. Em Inglaterra, constrói-se um enorme depósito para albergar os livros que ninguém quis. E se isto podia ser uma boa notícia para quem quisesse visitar o dito armazém e resgatar algum do conhecimento lá guardado, a ideia é para esquecer. O armazém será selado e não receberá visitas de leitores. Um enorme depósito inútil e triste. Vejam o que o Sérgio Lavos escreve sobre o assunto.

06 dezembro 2007

Sublinhados

“Assim se passam as coisas nos carros franceses. Nas outras nações, os costumes são muito diferentes. Os ingleses empenham-se, por orgulho, em não abrir a boca; o alemão, no carro, é triste, e os italianos demasiado prudentes para conversar; os espanhóis não possuem qualquer espécie de diligências e os russos não têm estradas. A gente, portanto, só se diverte nas pesadas diligências de França, nesta terra tão tagarela, tão indiscreta, onde todos se apressam em rir e em mostrar espírito, onde o gracejo tudo anima, desde a miséria das classes baixas até aos graves interesses dos burgueses abastados.”

Honoré de Balzac, Um Começo de Vida (Guimarães Editores, 1963; tradução de Jorge Reis; p.66)

05 dezembro 2007

Da Galiza

Eis o número duplo 89/90 da Agália, acabadinho de chegar às minhas mãos. E mesmo a tempo de acompanhar os ecos do dossier dedicado à Galiza que o Fernando Venâncio assinou na última Actual, do Expresso, no Sábado passado.



Para quem não saiba, a Agália é a revista da Associação Galega da Língua e, para alem de publicar artigos nas áreas dos estudos literários e da linguística, mostra-se sempre bem informada sobre o que se vai passando, em termos culturais, a sul do rio Minho, procurando pontos de contacto e estabelecendo relações que bem podiam e deviam ser mais recíprocas.

04 dezembro 2007

Leitores de Conrad

Giles Foden traça um retrato extenso e detalhado sobre Joseph Conrad e a sua obra e arrisca dizer que, para a maioria dos leitores de hoje, o autor de Heart of Darkness já não é popular. Sam Jordison riposta, duvida da amostra dos leitores interrogados e questiona: “Are today's readers really so lazy that they aren't prepared to tackle one of the most influential and intelligent writers of any age?” Aguarda-se a continuação do debate no blog de livros do The Guardian.

Pecadilhos

Não é de agora este meu pecadilho. Compro a Atlântico desde o início, com algumas intermitências, e já nem o faço às escondidas dos meus amigos. Uma pessoa tem de assumir o que faz e pronto.
Só hoje me foi possível adquirir o número de Dezembro. A Dona Teresa, da papelaria da esquina, foi avisando nos últimos dias que a entrega estava atrasada e eu fiquei desconfiada. Terá sido da greve de sexta-feira? Irónico... Mas há ironia maior, aviso já. Não sei se alguém já tinha reparado, ou se só eu é que leio com afinco as fichas técnicas, mas hoje descobri que a Atlântico é paginada num estúdio da Rua Ary dos Santos, em plena Serra das Minas. Ary dos Santos? Serra das Minas? Que caminhos ínvios percorrem os nossos liberais...



A leitura da revista propriamente dita segue daqui a nada.

03 dezembro 2007

Cadeirão Voltaire

Sonho materialista: uma sala ampla onde as estantes que agora se acotovelam pudessem multiplicar-se sem conflitos territoriais. No canto mais perto da janela, um cadeirão voltaire. No Inverno, uma manta e o respectivo gato acompanhariam as horas de leitura; no Verão, talvez limonada.
De volta à realidade, as estantes continuam apertadas e o sofá clama por restauro, mas o cadeirão ganhará a sua existência nesta espécie de ‘éter’ virtual. Garantidos que estão o conforto e a aura mítica do assento, falaremos principalmente (mas não exclusivamente) de livros e leituras. Sem a preocupação da actualidade jornalística, teremos livros que são novidades ao lado de outros que os escaparates há muito esqueceram, se é que chegaram a vê-los. Incursões por livrarias de sonho e alfarrabistas de sempre também serão frequentes, bem como descobertas inesperadas na segunda fila das estantes, nos caixotes que ainda moram na casa materna ou no enorme sótão da internet. E haverá revistas e jornais, claro, entre os que se fazem por cá e os que chegam de fora, diferentes cheiros de tinta mas motivos de interesse comuns.
Para dividir o conforto das horas passadas no cadeirão Voltaire, convidei a Andreia. Desconfio que as suas leituras passarão com frequência pela poesia, mas não estranharia que fossem por outros caminhos.
Janelas abertas, agradecimentos deixados a Alfredo Bryce Echenique, que recuperou a imagem do cadeirão Voltaire no seu A Vida Exagerada de Martin Romaña (Teorema), retomemos as leituras.