02 setembro 2008

Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia, Tinta da China




     Escrito na primeira metade dos anos 30, o diário da viagem de Annemarie Schwarzenbach às terras da Pérsia manter-se-ia inédito até 1995, alimentando o culto gerado à volta da autora. Nascida na Suíça, no seio de uma família rica, Schwarzenbach preferiu o confronto com o mundo e a afirmação dos seus desejos ao recato a que o estatuto social a obrigaria. Fotógrafa, jornalista e escritora, viajou pelo mundo, alcançando regiões onde uma mulher dificilmente sobreviveria por sua conta e risco, e afastou-se da Europa na altura em que Hitler iniciava a sua escalada. A Morte na Pérsia constitui o testemunho de uma dessas viagens, invocando a recordação de viagens anteriores e prolongando os seus sentidos para além do mero registo da passagem pelos locais assinalados.
     Schwarzenbach constrói o seu percurso pela Pérsia alimentando-se de uma estética do trágico, visível no modo como a aridez da paisagem, natural ou humana, se descreve a par das deambulações por entre os demónios da existência. Na imensidão nocturna do deserto, o ruído dos animais, as secretas movimentações das dunas ou a certeza da pesada solidão que se abre para lá das tendas são feitas da mesma matéria verbal que o medo e a ânsia de um destino que a narradora nunca logra encontrar, nem definir. Estruturado como um livro de viagens, a que não faltam descrições de portos, paragens e encontros, Morte na Pérsia é sobretudo o registo verbal de um percurso atormentado, a forma possível de uma procura angustiada e sufocante que é difícil ler sem a remissão constante para a biografia da autora. E apesar disso, esquecendo a biografia e as tentações de uma leitura nela baseada, o texto que agora se traduz em português é, por si só, um registo dilacerante sobre a solidão e a sua consciência, sobre a impossibilidade da fuga e sobre o modo como a distância se apresenta sempre como garantia (vã) de uma saída para as incertezas. Seria um lugar comum, esta fuga de si própria, se houvesse algo de comum na escrita de Schwarzenbach.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado na revista Time Out nº44, 29 Julho 2008)

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