20 maio 2008

Uma longa resposta IV

E aqui entra outra ordem de questões, úteis para a minha resposta ao comentário referido. Eu não acredito nas boas graças do funcionamento do mercado. Será uma questão ideológica, claro, mas as questões ideológicas pesam quando há opiniões. Quer isto dizer que acho que o Estado devia controlar as editoras, etc, etc, etc...? Nada disso. Não só não acredito nas boas graças do funcionamento do mercado como também desprezo a ideia do centralismo estatal, a ideia do controlo total a partir de um centro benfeitor e timoneiro do povo e até a ideia de ser possível apontar uma ideia que resolva de modo satisfatório todas as inquietações, dúvidas e paixões políticas que alimento. O que posso fazer? Misturo uma costela anarquista com um socialismo de determinadas características, acredito no contrato entre Estado e cidadãos, mas também no direito à desobediência, na importância da responsabilidade e da responsabilização (sempre, a todo o custo e por mais contraditório que seja o que se fez ou pensou), simpatizo com as barricadas quando elas fazem falta, com a diplomacia sempre que possível, com o respeito no debate e com a falta de papas na língua. Mas que fique descansado o senhor do comentário: a responsabilidade é o que mais pesa, e por isso não lerá nenhum texto meu num órgão de informação que não tenha sido feito com a máxima dedicação ao rigor (e isto não significa que eu seja imune aos erros, que esses todos cometemos). Mas uma vez mais, isto não é um órgão de informação, ainda que às vezes possa servir como tal. E o que tem tudo isto a ver com a Feira do Livro e com a minha opinião sobre o modo como o processo tem decorrido? Tem tudo.
Não acreditando nas benesses do funcionamento do mercado, antipatizo com a concentração editorial e o modo como esta está a acontecer em Portugal porque acredito que daí não virá nada de bom para a edição (consequentemente, para tudo o resto que deriva da leitura e da existência de livros para serem lidos). Se calhar, vamos ter vendas mais altas, capas mais berrantes, autores mais sonantes, e com mais bonecos em tamanho real às portas das livrarias, mas nada disso me interessa no que aos livros diz respeito. E se tudo isso for conseguido sacrificando a qualidade dos catálogos, a diversidade dos títulos e a possibilidade de edição de alguns autores menos óbvios para o mercado, então passa a interessar-me, mas pela negativa. Dir-me-ão que se editoras pequenas e de qualidade desaparecerem à conta disso, se as pequenas livrarias ficarem sem acesso aos livros que encomendam porque as editoras dão preferência às grandes cadeias livreiras, se autores menos lucrativos – mas com textos que ninguém devia morrer sem ler – deixarem de publicar, isso é o mercado a funcionar. Pois bem, que não funcione. Se o mercado funcionar é sinónimo de termos estarolas dos negócios a granel a destruírem catálogos que editores de referência levaram anos a construir, livrarias transformadas em supermercados, onde não se encontram livros que não sejam novidades – e mesmo assim, só se forem da semana anterior –, e um panorama onde todos os espaços, Feiras incluídas, são ocupados pela eficiência do marketing, mas pela ausência de conteúdo (conteúdo mesmo, daquele que não precisa de ser espremido, daquele que a gente lê e a seguir tem de pensar no que leu, e às vezes não volta a ser a mesma pessoa depois de ter lido), então que se dane o mercado e o seu funcionamento.
Tenho alguma proposta proteccionista para resolver a questão? Claro que não. Percebo pouco do deve e do haver e, se tivesse uma editora, tenho a certeza de que ela não só não daria lucro como o mais provável era que desse prejuízo. Mas acredito que órgãos como a Câmara Municipal (a de Lisboa, mas também a do Porto, e até seria interessante pensar nas outras e no que poderiam fazer nas respectivas localidades) poderiam atenuar o efeito de mina armadilhada que estruturas gigantescas podem ter no panorama editorial. Como? Talvez passando a apoiar a instalação de editoras menos abonadas nas Feiras do Livro, em vez de subsidiar directamente a APEL, por exemplo. É uma medida de caridade, pseudo-comuna, pobrezinha... Não faço ideia, mas soa-me bem independentemente da etiqueta. E também me soaria bem que as editoras que não pretendem vender-se se associassem de algum modo, para fazerem face aos problemas de organização das Feiras – que certamente se irão agravar – e sobretudo para garantirem que não perdem margem de negócios com os pontos de venda. Mas isto, claro, são só ideias minhas.

1 comentário:

salamandrine disse...

vénia. grande vénia!