14 maio 2008

Mais Leya, inevitavelmente

A ideia da concentração editorial não me agrada. A notícia de ontem não foi por isso recebida com agrado. Haverá romantismo e uma ideologia a presidir às minhas convicções. Tentarei, por isso, confrontar argumentos.
A Leya dominará uma avassaladora parcela da edição que se faz em Portugal. Expectativas:
Maior capacidade para negociar com as livrarias no que respeita a escaparates, montras e destaques;
Maior capacidade para negociar com as livrarias percentagens de vendas e modos de pagamento;
Maior capacidade para negociar com gráficas os custos de produção;
Maior capacidade para negociar publicidade e promoção dos livros;
Maior capacidade para negociar direitos de autor no estrangeiro.
Resultados esperados:
Livros mais baratos em Portugal;
Melhor distribuição a nível nacional (entre hipermercados, grandes cadeias de livrarias, livrarias de bairro e livrarias/papelarias);
Maior e melhor divulgação de obras portuguesas fora de Portugal;
Melhores condições para os autores;
Aquilo a que se tem assistido:
Não se consegue, ao ligar para a Leya, chegar com facilidade aos responsáveis pela comunicação das diversas editoras que a integram (quem o tentou pode confirmá-lo).
Periódicos, revistas e blogues têm dificuldade em receber os livros que pedem às editoras, a menos que sejam novidades (mesmo estas nem sempre chegam de acordo com pedidos prévios).
As livrarias mais pequenas não recebem livros do grupo, principalmente se escolhem, de acordo com os seus critérios, livros menos mediáticos ou vendáveis.
A polémica em torno da Feira do Livro deu tempo de antena e espaço mediático à Leya, que desrespeitou regras e prazos de inscrição, assumindo sem pejo que quer (e muito provavelmente vai) furar as regras que as outras editoras aceitam.
Possivelmente, a aquisição da Explorer contribuirá para pôr ordem num grupo onde não se consegue trabalhar, e ainda não é visível nenhuma destas consequências positivas da concentração. Quando estiveram na Casa Fernando Pessoa, os discursos de Isaías Gomes Teixeira e António Lobato Faria diferiram. Enquanto o primeiro tinha preparado um discurso demagógico, megalómano e provocatório, assente em sensos comuns, trejeitos economicistas e auto-elogiosos, o segundo falava da edição fundamentando argumentos com exemplos de quem conhece a área em que trabalha. O que é, aliás, inegável.
Enquanto promotora da leitura, desejo efectivamente que a Leya possa contribuir para aumentar o número de leitores e o acesso ao livro. Distingo leitura de literatura e aceito as preferências individuais. Mas enquanto cidadã acredito que a base social está na educação, na formação, no desenvolvimento de competências a par do sentido crítico e da escolha responsável. O que é avesso a arremessos consumistas que dependem de nomes famosos e tops de vendas. E temo que a Leya não privilegie estes valores em detrimento de capas e títulos apelativos, de livros consumíveis e da criação de fenómenos artificiais. Porque tem todos os meios para o fazer, o mercado não poderá reagir e obrigar as editoras do grupo a terem padrões de qualidade elevados, se assim não quiserem. As ‘marcas’ do prestígio (Caminho e D. Quixote, essencialmente) podem perder-se entretanto, se mantiverem autores de prestígio que lhes assegurem essa imagem. As leis da concorrência foram esmagadas por este gigante, e o desequilíbrio de forças é sempre perigosamente autocrático.
Vamos esperar. Felizmente há sobreviventes, ainda. Espero que assim se mantenham, e que, por exemplo, a poesia ou a tradução dos clássicos continuem bem entregues. Desejo que os pequenos guetos dialoguem, e que desse diálogo nasçam propostas saudáveis, como aconteceu com a BI (Biblioteca Independente). Desejo continuar a admirar as capas da Tinta da China ou o design do Henrique Cayatte para a Sextante, ou as traduções da Cavalo de Ferro. Desejo encontrar raridades na Tenda dos Pequenos Editores, quando, na próxima semana subir e descer novamente o Parque Eduardo VII.

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