14 janeiro 2008

Bloco de Notas I

Dubravka Ugresic, Thank You For Not Reading – Essays on Literary Trivia, Dalkey Archive, 2003



Dubravka Ugresic nasceu na Jugoslávia, quando ainda existia a Jugoslávia. Com a guerra e a afirmação dos diferentes nacionalismos, a autora tornou-se persona non grata. Porquê? Porque escreveu frequentemente contra os nacionalismos, independentemente da sua facção, e contra a ideia de afirmar identidades pela força e pela humilhação de outras identidades. Com a ex-Jugoslávia para trás, Ugresic passou a viver entre os EUA e a Europa, entrando em contacto directo com um meio literário, editorial e académico que até aí não conhecia tão bem.
As informações biográficas são, neste caso, relevantes para uma leitura plena de Thank You For Not Reading, sobretudo pelo que acrescentam à voz narradora de cada um dos textos, como se revela logo na apresentação: “I wrote some of the essays under the mask of an East European grumbler confused by the dynamics of the global book market (...).” É sob essa máscara que Ugresic desvenda a sua estupefacção perante o enorme circo que se criou à volta dos livros e que podia ter-se criado à volta de outro ‘produto’ qualquer; afinal, os lançamentos megalómanos com actores e figuras do jet-set – descritos e analisados com humor e sarcasmo – têm pouco ou nada a ver com literatura.

Ugresic viveu sob o regime comunista e conhece bem os meandros da cultura autorizada e oficial, dos livros propagandeados (e dos muitos proibidos), da leitura para todos (desde que seleccionada a partir dos livros autorizados e muito recomendados pelo grande líder). As descrições do 1ºde Maio com os seus carros alegóricos de livros ou da promoção da leitura através – e unicamente – dos escritores que agradavam ao regime são, por isso, pessoais, mas não menos esclarecedoras. Mas o que torna este volume realmente interessante para uma reflexão sobre a indústria do livro e as suas ramificações na comunicação e no marketing é a comparação que a autora estabelece entre a ditadura do pensamento e da estética únicos na Jugoslávia comunista e a nova ordem dos best-sellers, da escrita ao alcance de todos e dos fenómenos ‘literários’ que toda a gente quer conhecer por serem apresentados (e recebidos), precisamente, como algo ‘que toda a gente quer conhecer’. Aos escritores resta a decisão de aceitarem ou não as regras do mercado, tal como antigamente restava a decisão de aceitarem ou não as regras do regime: “Writers who were unable to adapt to the demands of the ideological market ended tragically: in camps. Nowadays, writers who cannot adapt to commercial demands end up in their own personal ghetto of anonymity and poverty.” (p.44). Claro que comparações desta ordem podem parecer descabidas, o que não retira gravidade alguma à constatação certeira de que a folia comunicativa que vende auto-ajuda, romances místicos e escrita criativa tem submergido com competência e afinco a circulação de livros que têm na sua génese preocupações bem diferentes das que estruturam os departamentos de marketing da maioria das editoras, e isto de modo directamente proporcional ao aumento do número de leitores e de consumidores de livros (não são, de todo, a mesma coisa).

Os textos que compõem Thank You For Not Reading foram escritos entre 1996 e 2000. E apesar da distância temporal, com algumas excepções, parecerão muito actuais ao leitor português mais atento.

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