13 outubro 2008

Jorge Mateus e Luís Rainha, O Futuro Tem 100 Anos, Bizâncio



         Se fosse possível encetar um corte cirúrgico que revelasse o estado da arte da banda desenhada portuguesa contemporânea, a incisão revelaria duas tendências essenciais: por um lado, o diálogo com a produção contemporânea estrangeira, muito alicerçado na auto-edição, na experimentação em torno das possibilidades de uma linguagem e na atenção a outras formas artísticas, e por outro lado, a continuidade temática e estrutural de um filão com raízes no que por vezes se chama de ‘Idade de Ouro’ da bd portuguesa e que assenta numa ideia de diversão, quase sempre destinada a leitores mais novos, onde a gramática visual e narrativa se assume ora como de entretenimento, ora como pedagógica (porque se crê, erradamente, mais simples de entender do que um texto, por exemplo). Curiosamente, os resultados desta segunda tendência acabam por ter mais visibilidade editorial, muitas vezes graças aos apoios autárquicos ou empresariais que se associam a determinado projecto. É esse o caso deste O Futuro Tem 100 Anos, encomendado no âmbito das comemorações do centenário da CUF do Barreiro e destinado, segundo se lê na apresentação, “aos mais jovens”.
         Percebe-se o esforço na construção de um argumento coerente, que desvenda a história da CUF através da demanda de uma personagem em busca do seu passado, mas a imposição pedagógica acaba por impedir qualquer outro caminho, menos óbvio. As constantes analepses que permitem veicular fragmentos da história da CUF e da industrialização do Barreiro, bem como a linha narrativa que marca o presente da jovem protagonista (onde não falta o cliché de um baú perdido que vai revelar os segredos procurados, ou o comentário paternalista da personagem que diz “gosto de ver que ainda há jovens interessados pelo passado”) cumprem todos os requisitos para uma banda desenhada que só o é porque continua a sua linguagem a ser tida como o modo mais simples de pedagogia involuntária, pese embora o equilíbrio estético e narrativo de algumas pranchas e as soluções gráficas que, como nas vinhetas em que Alfredo da Silva (fundador da CUF) apresenta o plano de industrialização da cidade, deixam perceber o potencial criativo dos autores, já confirmado noutros projectos.

Sara Figueiredo Costa
(Texto publicado no suplemento Actual do jornal Expresso, 4 de outubro 08)

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