A Porto Editora apresentou hoje à imprensa a sua nova divisão editorial, chamada Divisão Editorial Literária de Lisboa (DELL), que será da responsabilidade de Manuel Alberto Valente.
Em quase três décadas de trabalho editorial, Manuel Alberto Valente passou pela Dom Quixote (entre 1981 e 1991) e pelas Edições Asa, onde construiu um catálogo sólido e coerente, até estas terem sido compradas pelo grupo Leya e o editor ter decidido sair. Livre de compromissos, Manuel Alberto Valente anunciou há alguns meses (em entrevista ao Público) que estava determinado a prosseguir o seu labor editorial e que poderia fazê-lo a título individual, como aconteceu com outros editores que saíram das grandes casas editoriais, ou inserido num projecto mais amplo, desde que lhe fossem dadas condições de autonomia. A Porto Editora viu nestas declarações uma oportunidade imperdível e passou a contar com um dos editores de referência deste país na sua casa.
Pelo que foi dito na apresentação da DELL, o editor terá toda a autonomia para construir o seu catálogo, bem como as condições necessárias para o fazer prosseguir. E outra atitude não seria de esperar: quem conta com Manuel Alberto Valente como editor, sabe que não precisa de preocupar-se com os resultados do seu trabalho.
Não tenho quota no mercado, nem gosto de todos os livros que Manuel Alberto Valente já editou. Mas é fácil, olhando para as últimas décadas da edição portuguesa, ver que o seu trabalho foi sempre feito no rigoroso equilíbrio entre a qualidade, a inovação e a estratégia de mercado, e tudo indica que essa postura vai ter continuidade na nova divisão da Porto Editora.
A partir de Setembro, os primeiros livros começarão a chegar às livrarias. A Lâmpada de Aladino, de Luis Sepúlveda (um livro de contos), As Esquinas do Tempo, de Rosa Lobato Faria (romance), Feminino Singular, de Sveva Casati Modignani (romance), Instruções Para Salvar o Mundo, de Rosa Montero (romance), O Priorado de Cifrão, de João Aguiar (uma paródia em torno de O Código Da Vinci, cujas primeiras linhas prometem...) e O Silêncio dos Outros, de Lydya Gouardo (testemunho, inserido na nova chancela que integrará a DELL, a Pelicano). Anunciou-se também o futuro romance de Artur Pérez-Reverte. Muitos nomes da Asa? Certamente. E Manuel Alberto Valente comentou o facto ainda antes de algum jornalista perguntar, dizendo que o trabalho editorial resulta muitas vezes em sólidas relações entre autor e editor, não sendo de admirar que o autor queira acompanhar o seu editor independentemente da chancela onde este trabalha. Faz sentido. Sobretudo quando o editor faz o seu trabalho a sério, não se limitando a escolher livros e a gerir o deve e o haver da casa.
Dos títulos apresentados, poucos me causam entusiasmo pessoal, e não quero deixar de dizê-lo. Mas olhando para eles, e ouvindo o editor falar das perspectivas futuras, é fácil perceber que da DELL virá a nascer um grande catálogo, sólido a vários níveis (o do mercado, claro, não há como fugir dele querendo ter uma editora grande e lucrativa, mas também o da qualidade e o da actualidade literária nacional e internacional) e capaz de se afirmar por entre a torrente que todos os dias inunda as livrarias. A partir de Setembro, cá estaremos para o começar a confirmar.
08 julho 2008
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3 comentários:
E não a preocupa que a Porto Editora, maior editora portuguesa, se vá tornar ainda maior e mais poderosa?
Se fosse a Leya a ser tão grande não faltariam as acusações.
Caro Rui Pedro,
O que penso sobre a concentração editorial, já o expliquei aqui. Não me agrada, e já disse porquê. Apesar disso, tenho noção da sua inevitabilidade e, por entre todas as mudanças a que assistiremos no mercado editorial nos próximos tempos, importa distinguir algumas coisas. Chegamos, então, à nova questão por si levantada, a da Porto Editora.
Primeira distinção: a Porto Editora não comprou, agora, editora alguma. Criou uma nova chancela, entregue a um editor chamado Manuel Alberto Valente.
Segunda distinção, e mais relevante, e esclarecedora do facto de eu me congratular com a apresentação da DELL: Manuel Alberto Valente é um Editor (a maiúscula é propositada). O seu trabalho ao longo dos últimos trinta anos fala por si e dispensa-me as evocações longas. Se queremos comparar isto com o que a Leya tem feito (não era essa a minha intenção, mas o Rui insistiu), não temos muito por onde pegar, porque não há paralelos. De um lado, temos um empresário que desatou a comprar editoras, que as quer tornar lucrativas sem mais (ou seja, sem ter em conta o seu trabalho cultural e as suas responsabilidades nesse plano), que consegui que muitos Editores se afastassem e que ninguém sabe muito bem que tipo de intenções tem no meio editorial para além da do lucro. Do outro lado temos uma editora gigantesca como a Porto Editora, que seguramente também quer lucrar, e que seguramente deve querer crescer ainda mais, que contrata um Editor como MAV e lhe dá total autonomia para criar um catálogo. Criar um catálogo, repare-se, coisa cuja importância a Leya parece ignorar (veja-se o que aconteceu na Feira do Livro, onde catálogos riquíssimos, com uma história mais do que relevante e com longos anos de trabalho simplesmente não estiveram presentes, empobrecendo brutalmente os pavilhões da discórdia e fazendo tábua rasa do trabalho que tantos editores construíram ao longo de décadas.
Não há muitos termos de comparação. Esperava que eu escrevesse sobre a Porto Editora o que escrevi sobre a Leya? Não seria lógico, nem coerente. A Porto Editora está a crescer? Parece que sim. Se chegar ao ponto de começar a ignorar o trabalho dos seus editores, a fazer desaparecer da história o seu catálogo ou a ter o lucro como único objectivo visível (por visível quero dizer o único objectivo que os leitores vislumbram), terei outras coisas para escrever. Por agora, não tenho.
Mas tenho algo a acrescentar, não porque tenha de me justificar, mas porque me parece relevante insistir no ponto. Se a Porto Editora tivesse, apenas, lançado uma nova chancela, ou uma nova colecção, eu talvez me tivesse ficado pela simples notícia. Eventualmente, e se a chancela ou a colecção me parecessem realmente boas, ou interessantes, ou novas, talvez tivesse escrito um pouco mais. Mas isto aconteceria, e acontecerá, se alguma das editoras da Leya lançar uma chancela, ou uma colecção, que me pareçam realmente boas, ou interessantes, ou novas. As águas, por aqui estão bem separadas, e uma coisa é a minha opinião sobre o mercado, outra a minha opinião sobre os livros. Acontece que a Porto Editora contratou um editor como MAV (e não veja nisto elogios de charme, que só ontem conheci o senhor pessoalmente) e isso, para quem conheça a história da edição em Portugal, parece-me motivo suficiente para muitas páginas de escrita congratulante, logo à partida, ainda que não me demita de acompanhar o futuro para confirmar a minha razão.
Cara Sara,
Gostei muito de ler a sua resposta, e agradeço-lhe ter-me respondido. Não concordo com tudo mas penso que os seus argumentos são válidos.
O que mais me tem desagrado nas discussões que tem havido - e não falo necessariamente do papel da Sara - é a forma como a Leya foi imediatamente atacada por todos os lados como se não se limitasse a seguir as regras de mercado que há muito tinham sido construidas por outros.
A Leya teve o mérito de agir de forma muito pública. Não me agradou os movimentos que houve para a desacreditar como se a Leya enquanto empresa devesse alguma coisa a alguém.
Ao mesmo tempo a Porto Editora, que colaborou no jogo sujo da APEL na questão da Feira do Livro de Lisboa, não tem hesitado em tirar vantagem das condições de mercado, como já o fazia o grupo Bertelsmann, sem que no entanto se detectem muitos anticorpos em comentadores e bloguistas. Foi a descriminação da Leya que achei excessiva.
Por outro lado, considero mais perigosa a forma como a Porto Editora poderá vir a construir o seu catálogo, à base do canibalismo.
Se a formação da Leya, e a sua forma de se posicionar no mercado, abriu novas oportunidades às pequenas editoras, já o crescimento da Porto Editora poderá ser muito mais custoso para outras editoras se apostar apenas em ir buscar autores que já publicam com sucesso e não investir em novos autores. O enorme tamanho da Porto Editora permitir-lhe-á construir o seu catálogo rapidamente. E desengane-se quem acha que a Leya será quem mais perde. Existe o perigo de serem as pequenas editoras.
Assim, de acordo com o meu raciocínio, se a Leya permitiu que Nelson de Matos se lançasse sozinho, a Porto Editora poderá esvaziar o mercado de possibilidades, açambarcando tudo o que aparece para crescer o seu catálogo para um tamanho proporcional ao tamanho da empresa mãe.
É por isto que me assusta muito mais a actuação da Porto Editora do que a da Leya, confesso. É por isso que me questiono quando se elogia a formação da Dell da Porto Editora.
Mas, isto é apenas a análise de um consumidor que do mercado nada sabe.
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