O sítio não era muito visitado por turistas e isso foi visível assim que entrei. O livreiro recebeu-me com curiosidade, mas deixou-me deambular pelas estantes à vontade, encetando a conversa apenas quando me viu aproximar da bancada mais perto do balcão. O sotaque esquisitoide não enganava ninguém – era óbvio que eu não vinha de nenhum país de língua inglesa. À palavra Portugal reagiu com um comentário entusiasmado sobre a ‘revolução dos cravos’, aos meus parcos conhecimentos sobre a Irlanda reagiu com orgulho disfarçado e à minha ausência de militância partidária não reagiu de todo. Foi a literatura que desbloqueou a conversa. Eu já tinha comprado alguns livros noutras livrarias da cidade e o que procurava, naquele momento, para compor a minha biblioteca era qualquer coisa abrangente, que me permitisse levar para casa toda a literatura irlandesa que não podia comprar. Modern Irish Short Stories foi a primeira recomendação. Muito para ler e a possibilidade de conhecer vários autores num só livro convenceram-me. Seguiu-se o The Oxford Companion to Irish Literature. Era caro, mas eu não nasci para regatear (e tenho pena, mas é mesmo uma incapacidade total), por isso hesitei. Era da Oxford University Press, o que para o livreiro era um defeito e para mim uma qualidade, apesar de toda a minha simpatia pela causa irlandesa. Percebendo tudo, o homem propôs-me um negócio que só me beneficiava a mim e que eu aceitei depois de confirmar que ele sabia ser o único prejudicado: vendia-me o The Oxford Companion to Irish Literature com um desconto assinalável se eu levasse também um pequeno opúsculo sobre James Connoly, oferecido pela casa. Reagi ao nome de Connolly e ao sorriso algo matreiro do livreiro seguiu-se a epifania: eu conhecia James Connolly! E de repente, a minha não militância partidária já não era importante; eu conhecia Connolly, eu tinha lido alguma coisa sobre a independência da Irlanda, eu tinha de ser boa pessoa. Nesse dia percebi que não vale a pena discutir com um irlandês repentinamente comovido. Paguei os livros, agradeci o desconto e prometi ler o folheto sobre Connolly de fio a pavio, promessa que cumpri assim que cheguei a Lisboa.

No dia em que visitei a Connolly Books esqueci a habitual fotografia da entrada, pelo que o único registo visual que tenho do lugar foi tirado no dia seguinte, infelizmente, já com o estaminé encerrado. Quando procurei pela livraria na internet, esperançosa de encontrar mais imagens, deparei-me com um estabelecimento renovado: a entrada já não é vermelha e amarela e o interior perdeu alguma da sua atmosfera de conspiração. As estantes empenadas até ao tecto e o quase lusco-fusco permanente desapareceram. Do livreiro não sei nada; não aparece nas fotografias. Apesar disso, parece continuar a ser um local agradável, mas eu prefiro lembrar-me do espaço como era nesse fim de Verão de 1997 e do seu cicerone, casmurro, generoso e irlandês.


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