A delegação galega que esteve presente em Cuba, na Feira do Livro de Havana (onde a Galiza foi o país convidado), fez o balanço da sua participação no evento.
A visibilidade da cultura galega, o estabelecimento de novos contactos e parcerias e a pluralidade da delegação que conseguiu reunir-se para a feira foram alguns dos aspectos positivos destacados.
29 fevereiro 2008
28 fevereiro 2008
Pré-Publicação: O Hipnotizador, Paulinho Assunção (Campo das Letras)
.
Em Ouro Preto, numa noite fria
Centenas de nomes eu tive pela vida afora.
Foram tantos nomes que não posso nem sou capaz de enumerar
todos eles. Os nomes vinham, apareciam, eu os aceitava.
Alguns duravam em mim o tempo de uma viagem, outros duravam
apenas um dia ou dois, uma noite ou duas, e logo alguém
decidia por novo chamamento. Isto até que outros nomes fossem
em mim aplicados, uns sobre os outros, tal como a folha
rasurada de um palimpsesto.
Tive nomes de guerra, como Cedric, e de paz, como Francisco.
Em certa época, fui chamado por nomes claros, como
Lambert, ou escuros, como o esquisito nome Nigelo. Mas puseram-
me também nomes oceânicos, como Marmaduke, o líder
do mar, e nomes para serem falados em voz baixa, em murmúrio,
em rumor, do modo como são falados os segredos. E este
nome era Esaú.
Hoje me chamam de Ferdinando Flauta Mágica.
Se agora, aqui onde estou, eu viajo pelas recordações, se agora
sou residente das lembranças, se agora me dedico ao único
e insubstituível prazer de relembrar peripécias e aventuras, devo
também dizer que andei por mundos e caminhos em busca das
chamadas coisas inacreditáveis. Ou improváveis. Ou duvidáveis.
Certo é que muitas coisas, das quais me lembro, eu não pude
ver. Não vi Paris em chamas, não vi Londres bombardeada pelos
aviões da Alemanha, não vi a queda de Berlim.
Mas afundei os pés na neve das estepes russas e observei,
como se fossem delicados desenhos e delicadas aquarelas, o voo
do condor sobre a Cordilheira dos Andes.
Mais eu fiz, sim, fiz muito mais do que o novelo dos meus
lembrares pode hoje alcançar. E vi mais, vi muito mais do que
os olhos de um homem sonham um dia ver em nossas sempre
curtas existências. Sim, pois o que vi transborda de uma vida
e vai preencher outras vidas mais, tantas vidas, as inumeráveis
vidas que vazam de uma para outra vida, todas transbordantes.
E viver, talvez, seja água demais para pouca vasilha.
Do que fiz e do que vi, eu digo um pouco.
Provei tâmaras no deserto em dias de solidão e silêncio. Bebi
vinho da adega de uns frades mexicanos, uns frades com enormes
e lustrosos narizes. E viajei, empreendi a perigosa viagem
entre Zedrev e Lumes, duas cidades fantasmas nos desfiladeiros
do rio Got, só para seguir as trilhas de uns anões peregrinos.
Conheci condes e condessas, príncipes e princesas, reis e rainhas,
ladrões, sacripantas, rufiões, putas, bucaneiros, bêbados e
engolidores de facas.
E assisti à floração de cerejeiras em quintais japoneses.
Até que, já em uma curva próxima da minha aposentadoria,
já na ponta das minhas derradeiras, eu recebi a dádiva de um
chamado.
Acabo de dizer que recebi um chamado, mas poderia ter dito
de outro modo. Dizer, por exemplo, que recebi o convite para
um encontro com o mistério do meu nome.
Sim, o meu nome — eis o tema desta história que, toscamente,
e com a respiração desgovernada, eu conto a você, leitor, e
a você, leitora.
A história tem o seu começo numa certa noite de Inverno,
quando me vi na cidade de Ouro Preto, diante de um homem,
diante de inúmeros e terríveis acontecimentos.
Esse homem de quem falo atendia pelo apelido de Língua-
-Solta e possuía uma cicatriz em forma de lua minguante na face
esquerda.
Refiro-me a essa cicatriz, mas só pude enxergar verdadeiramente
a cicatriz quando esse homem de quem falo acendeu um
fósforo na escuridão e segurou o palito aceso perto do rosto.
A cicatriz parecia o resultado de um corte, um corte feito com
certos punhais que, só de imaginá-los, deduzo que eram uns
punhais demoníacos.
Mas enquanto eu via aquela marca em seu rosto sob a luz
ténue e trémula do palito de fósforo, eu nada disse. Nada comentei
com ele sobre aquela cicatriz. Só olhei, calado, o corte,
aquele corte que lhe descia em curva desde perto da costeleta
até o canto da boca. Só olhei para a cicatriz e nada falei.
Ouro Preto dormia encoberta por uma neblina espessa e estávamos
nas proximidades da Casa dos Inconfidentes, bem de
acordo com o que, semanas antes, fora combinado por intermédio
de uma carta.
Essa carta. Sempre há uma carta no dia-após-dia da minha
existência.
Devo dizer que a carta me chegou em hora apropriada, em
dia apropriado, no momento mais apropriado da minha vida
de viajante, justo quando me preparava para o meu refúgio de
leituras e pensares, de silêncios e filosofias, de vigílias e murmúrios.
Refúgio de um viajante que percorreu mundos e caminhos,
e, agora, quieto, em quietude, vê com serenidade os poentes e as
auroras, os crepúsculos e as manhãs, os começos e os fins.
Mas eu mencionei uma carta. Sim, eu disse algo sobre uma
carta.
De todos os modos, peço a benevolência do leitor para falar
disto mais adiante, ao longo da história que contarei. Uma
história que começava ali, ao lado daquele homem, num dos
lugares mais misteriosos da cidade de Ouro Preto.
Paulinho Assunção
O Hipnotizador
Campo das Letras (disponível a partir do próximo dia 5 de Março)
ISBN: 978-989-625-217-5
Colecção: Campo da literatura - 158
Em Ouro Preto, numa noite fria
Centenas de nomes eu tive pela vida afora.
Foram tantos nomes que não posso nem sou capaz de enumerar
todos eles. Os nomes vinham, apareciam, eu os aceitava.
Alguns duravam em mim o tempo de uma viagem, outros duravam
apenas um dia ou dois, uma noite ou duas, e logo alguém
decidia por novo chamamento. Isto até que outros nomes fossem
em mim aplicados, uns sobre os outros, tal como a folha
rasurada de um palimpsesto.
Tive nomes de guerra, como Cedric, e de paz, como Francisco.
Em certa época, fui chamado por nomes claros, como
Lambert, ou escuros, como o esquisito nome Nigelo. Mas puseram-
me também nomes oceânicos, como Marmaduke, o líder
do mar, e nomes para serem falados em voz baixa, em murmúrio,
em rumor, do modo como são falados os segredos. E este
nome era Esaú.
Hoje me chamam de Ferdinando Flauta Mágica.
Se agora, aqui onde estou, eu viajo pelas recordações, se agora
sou residente das lembranças, se agora me dedico ao único
e insubstituível prazer de relembrar peripécias e aventuras, devo
também dizer que andei por mundos e caminhos em busca das
chamadas coisas inacreditáveis. Ou improváveis. Ou duvidáveis.
Certo é que muitas coisas, das quais me lembro, eu não pude
ver. Não vi Paris em chamas, não vi Londres bombardeada pelos
aviões da Alemanha, não vi a queda de Berlim.
Mas afundei os pés na neve das estepes russas e observei,
como se fossem delicados desenhos e delicadas aquarelas, o voo
do condor sobre a Cordilheira dos Andes.
Mais eu fiz, sim, fiz muito mais do que o novelo dos meus
lembrares pode hoje alcançar. E vi mais, vi muito mais do que
os olhos de um homem sonham um dia ver em nossas sempre
curtas existências. Sim, pois o que vi transborda de uma vida
e vai preencher outras vidas mais, tantas vidas, as inumeráveis
vidas que vazam de uma para outra vida, todas transbordantes.
E viver, talvez, seja água demais para pouca vasilha.
Do que fiz e do que vi, eu digo um pouco.
Provei tâmaras no deserto em dias de solidão e silêncio. Bebi
vinho da adega de uns frades mexicanos, uns frades com enormes
e lustrosos narizes. E viajei, empreendi a perigosa viagem
entre Zedrev e Lumes, duas cidades fantasmas nos desfiladeiros
do rio Got, só para seguir as trilhas de uns anões peregrinos.
Conheci condes e condessas, príncipes e princesas, reis e rainhas,
ladrões, sacripantas, rufiões, putas, bucaneiros, bêbados e
engolidores de facas.
E assisti à floração de cerejeiras em quintais japoneses.
Até que, já em uma curva próxima da minha aposentadoria,
já na ponta das minhas derradeiras, eu recebi a dádiva de um
chamado.
Acabo de dizer que recebi um chamado, mas poderia ter dito
de outro modo. Dizer, por exemplo, que recebi o convite para
um encontro com o mistério do meu nome.
Sim, o meu nome — eis o tema desta história que, toscamente,
e com a respiração desgovernada, eu conto a você, leitor, e
a você, leitora.
A história tem o seu começo numa certa noite de Inverno,
quando me vi na cidade de Ouro Preto, diante de um homem,
diante de inúmeros e terríveis acontecimentos.
Esse homem de quem falo atendia pelo apelido de Língua-
-Solta e possuía uma cicatriz em forma de lua minguante na face
esquerda.
Refiro-me a essa cicatriz, mas só pude enxergar verdadeiramente
a cicatriz quando esse homem de quem falo acendeu um
fósforo na escuridão e segurou o palito aceso perto do rosto.
A cicatriz parecia o resultado de um corte, um corte feito com
certos punhais que, só de imaginá-los, deduzo que eram uns
punhais demoníacos.
Mas enquanto eu via aquela marca em seu rosto sob a luz
ténue e trémula do palito de fósforo, eu nada disse. Nada comentei
com ele sobre aquela cicatriz. Só olhei, calado, o corte,
aquele corte que lhe descia em curva desde perto da costeleta
até o canto da boca. Só olhei para a cicatriz e nada falei.
Ouro Preto dormia encoberta por uma neblina espessa e estávamos
nas proximidades da Casa dos Inconfidentes, bem de
acordo com o que, semanas antes, fora combinado por intermédio
de uma carta.
Essa carta. Sempre há uma carta no dia-após-dia da minha
existência.
Devo dizer que a carta me chegou em hora apropriada, em
dia apropriado, no momento mais apropriado da minha vida
de viajante, justo quando me preparava para o meu refúgio de
leituras e pensares, de silêncios e filosofias, de vigílias e murmúrios.
Refúgio de um viajante que percorreu mundos e caminhos,
e, agora, quieto, em quietude, vê com serenidade os poentes e as
auroras, os crepúsculos e as manhãs, os começos e os fins.
Mas eu mencionei uma carta. Sim, eu disse algo sobre uma
carta.
De todos os modos, peço a benevolência do leitor para falar
disto mais adiante, ao longo da história que contarei. Uma
história que começava ali, ao lado daquele homem, num dos
lugares mais misteriosos da cidade de Ouro Preto.
Paulinho Assunção
O Hipnotizador
Campo das Letras (disponível a partir do próximo dia 5 de Março)
ISBN: 978-989-625-217-5
Colecção: Campo da literatura - 158
27 fevereiro 2008
Asas sobre a América II
Amanhã, pelas 18h30, na Fundação Luso-Americana (Rua do Sacramento à Lapa, 21, em Lisboa), Gonçalo M. Tavares falará sobre Philip Roth, prosseguindo o ciclo 'Asas Sobre a América'.
Ruy Belo
Ruy Belo faria hoje setenta e cinco anos. A nossa singela homenagem, lembrando um poema de País Possível.
Na Assírio e Alvim pode encontrar-se a obra completa do autor (e hoje - até à meia-noite - os livros têm 30% de desconto no site da editora).
MORTE AO MEIO DIA
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer
Na Assírio e Alvim pode encontrar-se a obra completa do autor (e hoje - até à meia-noite - os livros têm 30% de desconto no site da editora).
MORTE AO MEIO DIA
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer
26 fevereiro 2008
Leituras, take II
No 1979, o Luís Filipe Cristóvão entrevista Eduardo Halfon, autor de O Anjo Literário (recentemente editado pela Cavalo de Ferro e apresentado nas Correntes d'Escritas), que ando a ler por estes dias.
Próximo romance de Saramago
A Viagem do Elefante, próximo romance de José Saramago, tem data prevista de lançamento para o Outono deste ano.
Em entrevista à Lusa, o autor declarou: "Voltei a escrever, já tenho 70 ou 80 páginas. Tive de interromper a escrita pelo período da minha convalescença e doença".
Fonte: Diário Digital
Em entrevista à Lusa, o autor declarou: "Voltei a escrever, já tenho 70 ou 80 páginas. Tive de interromper a escrita pelo período da minha convalescença e doença".
Fonte: Diário Digital
25 fevereiro 2008
Respirar
Vários amigos e familiares costumam descrever o meu trabalho como o ideal para alguém que sempre gostou de ler. Até certo ponto, é verdade: passar parte do tempo laboral a ler é um luxo, e passar outra parte a escrever sobre o que se leu, de modos diversos e em função da linha editorial dos sítios para onde se escreve, é outro luxo, para além de um óptimo exercício de disciplina (diferentes publicações, on-line ou em papel, exigem diferentes registos que, mesmo que possam não ser sempre os que desejávamos utilizar, implicam um trabalho de pensamento e reescrita que só pode ser positivo). O único senão é que, em determinadas alturas do mês, o que há para ler é muito e o tempo para ler outras coisas, exteriores ao plano laboral, é nenhum. É o que se passa esta semana. Assim sendo, os textos especialmente concebidos para este Cadeirão Voltaire vão ter de esperar uns dias e o blog seguirá até ao fim de semana em regime quase exclusivamente noticioso, pelo menos no que às minhas contribuições diz respeito. Pede-se, por isso, alguma paciência aos potenciais leitores e prometem-se textos de maior fôlego para a próxima semana.
24 fevereiro 2008
Leituras
A revista Malagueta regressou, depois de algum tempo de interregno, e entre as várias colaborações, conta com textos de Sérgio Lavos. Duas boas notícias, portanto.
Sublinhados IX
"En la ciudad, los tanques habían sido substituidos por la soledad, con efectos similares. Las heridas parecían no cerrar. Todos nosotros pertenecíamos a una generación de príncipes idiotas, hemofílicos, por cuya piel la sangre corría a la menor cortada.
Eras tú, o el país entero quien había quedado abierto en el canal?
Secando al sol."
Héroes Convocados, Paco Ignacio Taibo II. Ediciones B, p.24.
Eras tú, o el país entero quien había quedado abierto en el canal?
Secando al sol."
Héroes Convocados, Paco Ignacio Taibo II. Ediciones B, p.24.
22 fevereiro 2008
Águas Furtadas
A história é assim mesmo: a Águas Furtadas está com dificuldades financeiras e precisa de angariar fundos para poder editar o seu próximo número.
Assim sendo, a revista promove, a partir do dia 1 de Março (com inauguração nesse dia, pelas 16h00), uma venda de obras de arte, na Galeria do JUP (Rua Miguel Bombarda, 187, R/C, no Porto). Fotografias, pinturas, ilustrações, pautas originais e múltiplos manuscritos dos mais diversos autores, portugueses e estrangeiros, estarão à venda por apenas €20 por peça.
O resultado desta venda será exclusivamente aplicado na edição da "aguasfurtadas" 11, cuja produção se encontra suspensa por falta de verba.
Assim sendo, a revista promove, a partir do dia 1 de Março (com inauguração nesse dia, pelas 16h00), uma venda de obras de arte, na Galeria do JUP (Rua Miguel Bombarda, 187, R/C, no Porto). Fotografias, pinturas, ilustrações, pautas originais e múltiplos manuscritos dos mais diversos autores, portugueses e estrangeiros, estarão à venda por apenas €20 por peça.
O resultado desta venda será exclusivamente aplicado na edição da "aguasfurtadas" 11, cuja produção se encontra suspensa por falta de verba.
José Luís Peixoto na Livro do Dia
Amanhã, pelas 16 horas, José Luís Peixoto estará na Livraria Livrododia - Centro Histórico (em Torres Vedras: Praça Machado Santos, n.1-4 R/c), para uma sessão de autógrafos.
Novo romance de Mário de Carvalho
«Eu quis escrever o romance de uma paixão devastadora, imperiosa e obsessiva, que assombra para além da morte. E quis começar a construir um universo ficcional povoado de homens mal amados». Foi com estas palavras que Mário de Carvalho falou à Lusa sobre o seu próximo romance, A Sala Magenta, que será brevemente apresentado aos leitores.
Fonte: Diário Digital.
Fonte: Diário Digital.
Gil Vicente na Assírio
Frágua de Amor / Floresta de Enganos, de Gil Vicente, com edição da Assírio e Alvim (na colecção pequenina, do Gato Maltês). Terá chegado hoje às livrarias.
Correntes d'Escritas: Notas da Póvoa III
Uma das experiências verdadeiramente epifânicas das Correntes d'Escritas é ver Daniel Mordzinski em acção, de câmara em punho, registando momentos, gestos, palavras e afectos.
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Correntes d'Escritas 2008
Asas sobre a América
Motivos de força (muito) maior impediram-me de aceitar o convite da FLAD para estar presente na conferência de Eduardo Lourenço na abertura do ciclo Asas Sobre a América. Resta-me anotar na agenda a data da próxima conferência: será no dia 28 de Fevereiro, pelas 18h30, e Gonçalo M. Tavares falará sobre Philip Roth. A entrada é gratuita.
20 fevereiro 2008
Pierre Klossowski na Antígona
A Moeda Viva, de Pierre Klossowski. Tradução de Luís Lima. Edição da Antígona.
Nas livrarias a partir de 23 de Fevereiro.
Dos conceitos: a existência
Milan Kundera, A arte do romance
II
(Breve selecta da História do Romance Moderno, a partir de Milan Kundera)
«Quando Deus abandonava lentamente o lugar de onde tinha dirigido o universo e a sua ordem de valores, separado o bem do mal e dado um sentido a todas as coisas, Dom Quixote saiu de casa e já não estava em condições de reconhecer o mundo. Este, na ausência do Juiz supremo, apareceu subitamente com uma terrível ambiguidade; a única verdade divina decompôs-se em centenas de verdades relativas que os homens partilharam entre si. Assim, o mundo dos tempos modernos nasceu e o romance, na sua imagem e modelo, nasceu com ele. (pp. 18,19)
«Os primeiros romances europeus são viagens através do mundo, que parece ilimitado. (…) O infinito perdido do mundo exterior é substituído pelo infinito da alma. A grande ilusão de unicidade insubstituível do indivíduo, uma das mais belas ilusões europeias, floresce. (pp. 20,21)
«Passados três séculos que aconteceu então à aventura, esse primeiro grande tema do romance? Ter-se-á ela tornado na sua própria paródia? Que quer isso dizer? Que o caminho do romance se conclui num paradoxo?
«Kafka e Hasek confrontam-nos, pois, com este imenso paradoxo: durante a época dos Tempos modernos, a razão cartesiana corroía um após outro, todos os valores herdados da Idade Média. Mas, no momento da vitória total da razão, é o irracional puro (a força não querendo senão o seu querer) que se apoderará do palco do mundo porque já não haverá nenhum sistema de valores, comumente aceites, que possa fazer-lhe obstáculo.
«Os últimos tempos pacíficos, em que o homem tinha tido de combater apenas os monstros da sua alma, os tempos de Joyce e Proust, tinham terminado. Nos romances de Kafka, de Hasek, de Musil, de Broch, o mostro vem do exterior e chama-se História; não se parece já com o comboio dos aventureiros; é impessoal, ingovernável, incalculável, ininteligível – e ninguém lhe escapa. É o momento (logo a seguir à guerra de 14) em que a plêiade dos grandes romancistas centro-europeus percebeu, tocou, aprendeu, os paradoxos terminais dos Tempos modernos.»
«Quando Deus abandonava lentamente o lugar de onde tinha dirigido o universo e a sua ordem de valores, separado o bem do mal e dado um sentido a todas as coisas, Dom Quixote saiu de casa e já não estava em condições de reconhecer o mundo. Este, na ausência do Juiz supremo, apareceu subitamente com uma terrível ambiguidade; a única verdade divina decompôs-se em centenas de verdades relativas que os homens partilharam entre si. Assim, o mundo dos tempos modernos nasceu e o romance, na sua imagem e modelo, nasceu com ele. (pp. 18,19)
«Os primeiros romances europeus são viagens através do mundo, que parece ilimitado. (…) O infinito perdido do mundo exterior é substituído pelo infinito da alma. A grande ilusão de unicidade insubstituível do indivíduo, uma das mais belas ilusões europeias, floresce. (pp. 20,21)
«Passados três séculos que aconteceu então à aventura, esse primeiro grande tema do romance? Ter-se-á ela tornado na sua própria paródia? Que quer isso dizer? Que o caminho do romance se conclui num paradoxo?
«Kafka e Hasek confrontam-nos, pois, com este imenso paradoxo: durante a época dos Tempos modernos, a razão cartesiana corroía um após outro, todos os valores herdados da Idade Média. Mas, no momento da vitória total da razão, é o irracional puro (a força não querendo senão o seu querer) que se apoderará do palco do mundo porque já não haverá nenhum sistema de valores, comumente aceites, que possa fazer-lhe obstáculo.
«Os últimos tempos pacíficos, em que o homem tinha tido de combater apenas os monstros da sua alma, os tempos de Joyce e Proust, tinham terminado. Nos romances de Kafka, de Hasek, de Musil, de Broch, o mostro vem do exterior e chama-se História; não se parece já com o comboio dos aventureiros; é impessoal, ingovernável, incalculável, ininteligível – e ninguém lhe escapa. É o momento (logo a seguir à guerra de 14) em que a plêiade dos grandes romancistas centro-europeus percebeu, tocou, aprendeu, os paradoxos terminais dos Tempos modernos.»
A desesperança, o vazio, a superficialidade parecem assim ser as únicas sobreviventes da aventura, do idealismo, do realismo, da alteridade e do sonho. Apenas a beleza permanece, como espécie de lugar possível de surpresa. «(…)todos os aspectos que o romance descobre, descobre-os como beleza. (…) Beleza, a última vitória possível do homem que já não tem esperança. Beleza na arte: luz subitamente feita do nunca-dito.» (p.143) Nesse aspecto, Kundera não está longe da perspectiva defendida por pensadores, filósofos e artistas. A pós-modernidade assume-se, para muitos, como o último lugar, o da sobrevivência irónica e pragmática. A lucidez de que fala este autor parte dessa consciência, de que já não há lugar outro, fora ou dentro da existência individual.
Provavelmente por isso, os romances de Milan Kundera tendem para o reconhecimento e as reflexões, mesmo que enquadradas numa forma de existência, não são muitas vezes mais do que variações sobre si mesmas. As expectativas de leitura saem logradas pela repetição de paradigmas de existências frustradas, amarguradas, desatentas, insatisfeitas, em conflito com um contexto pessoal opressor. A sua história particular é sugada pelos temas (pelas palavras em torno das quais se reflecte), dentro de uma organização irónica e paródica, como única possibilidade perante a ausência de respostas, de revoluções. Nos seus romances, Kundera justifica com o texto os paradoxos que considera existir, mas não se leva ao limite, como Kafka, que tanto admira e cuja obra escalpeliza no volume. A fórmula de Kundera é mais previsível e apreensível do que a de Kafka, porque este último leva as situações e as personagens ao limite do inapreensível, seja ele a culpa, a inverosimilhança, ou a crueldade. A claustrofobia que Kafka provoca renova-se, as palavras de Kundera reafirmam-se num circuito fechado, circular.
Provavelmente por isso, os romances de Milan Kundera tendem para o reconhecimento e as reflexões, mesmo que enquadradas numa forma de existência, não são muitas vezes mais do que variações sobre si mesmas. As expectativas de leitura saem logradas pela repetição de paradigmas de existências frustradas, amarguradas, desatentas, insatisfeitas, em conflito com um contexto pessoal opressor. A sua história particular é sugada pelos temas (pelas palavras em torno das quais se reflecte), dentro de uma organização irónica e paródica, como única possibilidade perante a ausência de respostas, de revoluções. Nos seus romances, Kundera justifica com o texto os paradoxos que considera existir, mas não se leva ao limite, como Kafka, que tanto admira e cuja obra escalpeliza no volume. A fórmula de Kundera é mais previsível e apreensível do que a de Kafka, porque este último leva as situações e as personagens ao limite do inapreensível, seja ele a culpa, a inverosimilhança, ou a crueldade. A claustrofobia que Kafka provoca renova-se, as palavras de Kundera reafirmam-se num circuito fechado, circular.
Dos conceitos: A existência
Milan Kundera, A arte do romance
I
Na compilação de ensaios e entrevistas que sugestivamente denomina A arte do romance, Milan Kundera traça um retrato acerca da história do género, bem como do seu processo criativo.
A noção de existência é fulcral no seu pensamento, aparecendo transversalmente como pêndulo original. O mapa construído pelo autor depende depois das possibilidades de explorar a existência, de a fazer eclodir contra a magnificência dos grandes acontecimentos macro e micro sociais. O que deve vir à superfície da narrativa são insignificâncias que toldam o comportamento, que o condicionam num caminho sem fim conhecido, sem esperança. «De entre as circunstâncias históricas só retenho aquelas que criam às minhas personagens uma situação existencial reveladora. (…) O romance não examina a realidade, mas sim a existência. E a existência não é o que se passou, a existência é o campo das possibilidades humanas, tudo o que o homem pode vir a ser, tudo aquilo de que ele é capaz. Os romancistas elaboram o mapa da existência ao descobrirem esta ou aquela possibilidade humana. Mas, mais uma vez: existir significa: “estar-no-mundo”. É preciso, portanto, compreender quer a personagem, quer o seu mundo como possibilidades.» (pp. 52,58) A existência kunderiana não é psicológica; é paródica e irónica, como resposta à inevitabilidade da vida sem maniqueísmos, crenças ou idealismos. A tese, qualquer que seja, aparece invertida no seu princípio estrutural, aqui reduzido ao insignificante drama individual a que a narrativa dá atenção na sua condição. O exemplo não é generalizável, mas as derivações temáticas são. A propósito de uma personagem, Kundera constrói unidades temáticas abstractas que define como «interrogações sobre a existência». «Um tema é uma interrogação existencial. E cada vez mais me apercebo de que uma tal interrogação é, afinal, o estudo de determinadas palavras, de palavras-temas. O que me leva a insistir: o romance baseia-se principalmente nalgumas palavras fundamentais.» (p.103)
A diegese romanesca serve de suporte ao desenvolvimento dos temas. A beleza, a alma, a fraqueza, a cobardia, o corpo, o esquecimento, a leveza ou o risível atravessam a obra do escritor, derivando em contextos diferentes para sempre se corroborarem, se fortalecerem, se complementarem.
Há, na concepção de romance apresentada por Kundera, uma clara relação com a sua interpretação da história do género, que considera encontrar-se, a partir do pós-guerra, no tempo dos paradoxos terminais.
A noção de existência é fulcral no seu pensamento, aparecendo transversalmente como pêndulo original. O mapa construído pelo autor depende depois das possibilidades de explorar a existência, de a fazer eclodir contra a magnificência dos grandes acontecimentos macro e micro sociais. O que deve vir à superfície da narrativa são insignificâncias que toldam o comportamento, que o condicionam num caminho sem fim conhecido, sem esperança. «De entre as circunstâncias históricas só retenho aquelas que criam às minhas personagens uma situação existencial reveladora. (…) O romance não examina a realidade, mas sim a existência. E a existência não é o que se passou, a existência é o campo das possibilidades humanas, tudo o que o homem pode vir a ser, tudo aquilo de que ele é capaz. Os romancistas elaboram o mapa da existência ao descobrirem esta ou aquela possibilidade humana. Mas, mais uma vez: existir significa: “estar-no-mundo”. É preciso, portanto, compreender quer a personagem, quer o seu mundo como possibilidades.» (pp. 52,58) A existência kunderiana não é psicológica; é paródica e irónica, como resposta à inevitabilidade da vida sem maniqueísmos, crenças ou idealismos. A tese, qualquer que seja, aparece invertida no seu princípio estrutural, aqui reduzido ao insignificante drama individual a que a narrativa dá atenção na sua condição. O exemplo não é generalizável, mas as derivações temáticas são. A propósito de uma personagem, Kundera constrói unidades temáticas abstractas que define como «interrogações sobre a existência». «Um tema é uma interrogação existencial. E cada vez mais me apercebo de que uma tal interrogação é, afinal, o estudo de determinadas palavras, de palavras-temas. O que me leva a insistir: o romance baseia-se principalmente nalgumas palavras fundamentais.» (p.103)
A diegese romanesca serve de suporte ao desenvolvimento dos temas. A beleza, a alma, a fraqueza, a cobardia, o corpo, o esquecimento, a leveza ou o risível atravessam a obra do escritor, derivando em contextos diferentes para sempre se corroborarem, se fortalecerem, se complementarem.
Há, na concepção de romance apresentada por Kundera, uma clara relação com a sua interpretação da história do género, que considera encontrar-se, a partir do pós-guerra, no tempo dos paradoxos terminais.
19 fevereiro 2008
Correntes d'Escritas: Notas da Póvoa II
Entre conversas e debates, um (re)reencontro inesperado. E digo (re)reencontro porque o primeiro reencontro se tinha dado há uns tempos, na blogosfera. António Ferra, escritor e artista plástico, foi também, para minha sorte, meu professor no secundário. A cadeira tinha um daqueles nomes que soavam a inovador e a pomposo nos novos curricula da reforma acabadinha de estrear (mais uma, antes das muitas que se lhe haviam de seguir): Técnicas de Tradução de Inglês. Para nós, era TTI, claro está, e era uma novidade absoluta. Nas aulas do António Ferra trabalhava-se a sério, mas sobretudo falava-se de muitas coisas paralelas, e por isso muito a propósito, à nobre arte da tradução. Aprendi muito, pratiquei o que pude e fiquei com a memória agradável de um bom professor.
Há um ano, mais coisa menos coisa, redescobri-o num blog: O Funcionamento de Certas Coisas. E o dito blog dava bem conta daquele imaginário que eu recordava das aulas. Entre cenas e objectos do quotidiano e memórias respigadas a partir de outros objectos, mais antigos, encontravam-se divagações e perscrutações sobre os mecanismos das coisas, que são afinal os mecanismos de tudo, inclusive de nós próprios - às vezes encravam, outras revelam funcionamentos inesperados e até inapropriados, e no entanto prosseguem. Depois o blog parou e eu pensei que tivesse sido de vez. Na Póvoa do Varzim, para além de re-reencontrar o António Ferra, fiquei a saber que o Funcionamento de Certas Coisas ainda funciona. Segue já para a barra dos links, para a leitura diária.
Há um ano, mais coisa menos coisa, redescobri-o num blog: O Funcionamento de Certas Coisas. E o dito blog dava bem conta daquele imaginário que eu recordava das aulas. Entre cenas e objectos do quotidiano e memórias respigadas a partir de outros objectos, mais antigos, encontravam-se divagações e perscrutações sobre os mecanismos das coisas, que são afinal os mecanismos de tudo, inclusive de nós próprios - às vezes encravam, outras revelam funcionamentos inesperados e até inapropriados, e no entanto prosseguem. Depois o blog parou e eu pensei que tivesse sido de vez. Na Póvoa do Varzim, para além de re-reencontrar o António Ferra, fiquei a saber que o Funcionamento de Certas Coisas ainda funciona. Segue já para a barra dos links, para a leitura diária.
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Correntes d'Escritas 2008
Edições Nélson de Matos
Lavagante, o inédito de Cardoso Pires que Nélson de Matos anunciou há algum tempo, chega amanhã às livrarias com a chancela homónima do editor. No Diário de Notícias, Ana Marques Gastão escreve sobre o livro.
18 fevereiro 2008
Alain Robbe-Grillet (1922-2008)
O escritor Alain Robbe-Grillet morreu a noite passada, na sequência de problemas cardíacos.
No Le Monde, Michel Contat traça-lhe o retrato literário e assina as despedidas.
No Le Monde, Michel Contat traça-lhe o retrato literário e assina as despedidas.
Revisão - formação Booktailors
O mal das gralhas afecta muitas das páginas impressas que por aí vão circulando... Numa das frentes possíveis, os Booktailors juntam-se ao combate e disponibilizam uma oficina de revisão de texto, coordenada por Raquel Mouta.
Os interessados têm toda a informação aqui.
Os interessados têm toda a informação aqui.
Fundação José Saramago - sessões para os mais novos
Da Fundação José Saramago chegou-nos a informação que se segue:
A propósito do livro de José Saramago 'A Maior Flor do Mundo', do qual foi produzido um pequeno filme de animação, decidiu a Fundação iniciar um ciclo de apresentação de ambos em sessões interactivas, supervisionadas por colaboradores da Fundação devidamente credenciados para o efeito, com o apoio dos professores ou bibliotecários. Nesse sentido, temos ao seu dispor e à disposição das crianças, e se decidir aceitar este nosso convite, sessões sobre o livro e o filme com as seguintes características:
- local: Fundação José Saramago - Lisboa
- faixa etária: entre os seis e os doze anos
- nº máximo de participantes (por sessão): 60
- duração: cerca de sessenta minutos
- datas: todas as terças e quintas-feiras
- horários: das 10h às 12 horas e das 14h 30m às 16 horas
Basta contactar-nos, para marcação da sua visita, através do telefone:
21 816 17 67
ou do e-mail:
info.pt@josesaramago.org
A propósito do livro de José Saramago 'A Maior Flor do Mundo', do qual foi produzido um pequeno filme de animação, decidiu a Fundação iniciar um ciclo de apresentação de ambos em sessões interactivas, supervisionadas por colaboradores da Fundação devidamente credenciados para o efeito, com o apoio dos professores ou bibliotecários. Nesse sentido, temos ao seu dispor e à disposição das crianças, e se decidir aceitar este nosso convite, sessões sobre o livro e o filme com as seguintes características:
- local: Fundação José Saramago - Lisboa
- faixa etária: entre os seis e os doze anos
- nº máximo de participantes (por sessão): 60
- duração: cerca de sessenta minutos
- datas: todas as terças e quintas-feiras
- horários: das 10h às 12 horas e das 14h 30m às 16 horas
Basta contactar-nos, para marcação da sua visita, através do telefone:
21 816 17 67
ou do e-mail:
info.pt@josesaramago.org
17 fevereiro 2008
Correntes d'Escritas: Notas da Póvoa I
Antes de qualquer outra coisa, é da mais elementar justiça dizer que as Correntes d'Escritas se apresentam com uma organização verdadeiramente irrepreensível, com um ambiente descontraído e nem por isso menos sério ou interessante e com um modo muito próprio de acolher calorosamente os seus participantes. A organização, elaborada por uma equipa de que Manuela Ribeiro e Francisco Guedes são os responsáveis, é de tal maneira eficaz que é frequente ouvir os portugueses comentando que aquilo 'nem parece Portugal' (o que diz tanto sobre a eficiência da coisa como da nossa natural tendência para a auto-comiseração).
Resultados práticos de uma excelente organização e de uma progranação bem pensada e cuidadosamente preparada: auditórios cheios, independentemente da hora e do dia (a sessão de Sábado de manhã esgotou as cadeiras do Auditório Municipal, as escadas e os vários espaços de acesso ao palco), conversas que fluem sem barreiras entre escritores muito ou pouco conhecidos e entre estes e os leitores e uma boa disposição que proporciona o grande trunfo das Correntes - o surgimento constante de histórias que alguém conta e que rapidamente ganham a aura de anedotas que ficarão, necessariamente, para a história do evento (foi frequente ouvir histórias que tinham sido contadas por participantes das edições anteriores, e gente que com essas histórias dialogava, acrescentando-lhes outros fios para um diálogo que parece interminável).
E para as primeiras impressões ficarem completas, faltará referir a comida. Não porque a comida seja o motivo que leva tanta gente à Póvoa do Varzim nestes dias (sem desprimor para os restaurantes que se associaram ao evento, e onde se comeu sempre muito bem), mas porque é à volta da mesa que boa parte das conversas se desenrola, que encontros e reencontros acontecem e que projectos se vão engendrando com o calor que só a partilha dos comensais permite.
Quando percebi que os computadores da Casa da Juventude eram demasiado concorridos e que, por isso, seria quase impossível actualizar o Cadeirão em directo, lamentei não ter levado um portátil. Mas rapidamente percebi que isso me teria mantido reclusa no quarto ou isolada numa mesa do bar sempre que não estivesse a acompanhar as várias sessões do dia, e que essa reclusão poderia ser muito benéfica para a actualização regular deste blog, mas ter-me-ia privado de todas as conversas, (re)encontros e partilhas. E isso, lamento, não compensaria nenhuma das visitas extra que teríamos aqui no estaminé. Assim, reencontrei o Carlos Quiroga e a Teresa Sobral e matei as saudades dos amigos galegos, troquei ideias e dúvidas com o Rui Grácio e a mulher (é horrível dizer isto assim, mas não consigo lembrar-me do nome e não queria deixar de a referir), conheci o trabalho do Michael Kegler e o Luís Filipe Cristóvão, partilhei visões do mundo com a Eugenia Almeida e ouvi as histórias inimagináveis do Ondjaki. Suspeito que uma parte considerável de tudo isso não se tranformará em palavras assim tão facilmente, mas reservarei os próximos dias para me dedicar à tarefa.
Resultados práticos de uma excelente organização e de uma progranação bem pensada e cuidadosamente preparada: auditórios cheios, independentemente da hora e do dia (a sessão de Sábado de manhã esgotou as cadeiras do Auditório Municipal, as escadas e os vários espaços de acesso ao palco), conversas que fluem sem barreiras entre escritores muito ou pouco conhecidos e entre estes e os leitores e uma boa disposição que proporciona o grande trunfo das Correntes - o surgimento constante de histórias que alguém conta e que rapidamente ganham a aura de anedotas que ficarão, necessariamente, para a história do evento (foi frequente ouvir histórias que tinham sido contadas por participantes das edições anteriores, e gente que com essas histórias dialogava, acrescentando-lhes outros fios para um diálogo que parece interminável).
E para as primeiras impressões ficarem completas, faltará referir a comida. Não porque a comida seja o motivo que leva tanta gente à Póvoa do Varzim nestes dias (sem desprimor para os restaurantes que se associaram ao evento, e onde se comeu sempre muito bem), mas porque é à volta da mesa que boa parte das conversas se desenrola, que encontros e reencontros acontecem e que projectos se vão engendrando com o calor que só a partilha dos comensais permite.
Quando percebi que os computadores da Casa da Juventude eram demasiado concorridos e que, por isso, seria quase impossível actualizar o Cadeirão em directo, lamentei não ter levado um portátil. Mas rapidamente percebi que isso me teria mantido reclusa no quarto ou isolada numa mesa do bar sempre que não estivesse a acompanhar as várias sessões do dia, e que essa reclusão poderia ser muito benéfica para a actualização regular deste blog, mas ter-me-ia privado de todas as conversas, (re)encontros e partilhas. E isso, lamento, não compensaria nenhuma das visitas extra que teríamos aqui no estaminé. Assim, reencontrei o Carlos Quiroga e a Teresa Sobral e matei as saudades dos amigos galegos, troquei ideias e dúvidas com o Rui Grácio e a mulher (é horrível dizer isto assim, mas não consigo lembrar-me do nome e não queria deixar de a referir), conheci o trabalho do Michael Kegler e o Luís Filipe Cristóvão, partilhei visões do mundo com a Eugenia Almeida e ouvi as histórias inimagináveis do Ondjaki. Suspeito que uma parte considerável de tudo isso não se tranformará em palavras assim tão facilmente, mas reservarei os próximos dias para me dedicar à tarefa.
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Correntes d'Escritas 2008
De regresso
O cansaço da Póvoa ainda se faz sentir; de resto, só trago boas impressões das Correntes d'Escritas. Nos próximos dias darei conta do que vi e ouvi, das histórias, dos livros, dos convívios e, sobretudo, das pessoas.
15 fevereiro 2008
Menção Especial para a Cotovia
A editora Cotovia recebeu uma Menção Especial da Associação Portuguesa dos Críticos de Teatro pelo seu trabalho de edição de textos dramáticos, muitas vezes em sintonia com o próprio trabalho das companhias.
"Exercendo a sua actuação editorial em matérias, intenções, parcerias e formatos muito diversos, os Livros Cotovia têm contribuído de forma superlativa para a criação de um repertório de teatro em Portugal, quer editando originais portugueses, quer promovendo ou apoiando traduções de importantes textos da dramaturgia mundial.
Configura esta sua prática uma visão de estimulante abertura não apenas a uma escrita em que poucas editoras gostam de arriscar, mas também à realidade viva da criação teatral ao fazer convergir muitas vezes a publicação dos volumes com a subida à cena das peças, sejam elas de portugueses ou de autores estrangeiros traduzidos.
Reconhecendo embora a evidência de que o espectáculo não se resume ao texto escrito, a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro não pode deixar de destacar a relevância da produção escrita para o palco, ao mesmo tempo que reconhece que as palavras escritas para a cena não se esgotam numa leitura do "literário", antes obrigam a uma atenção multidisciplinar em função da materialização possível dessa textualidade. Daí precisamente a importância de sublinhar a convergência produtiva – para espectadores e leitores – da simultaneidade do aparecimento do texto nestas duas "plataformas" de realização material.
A importância desta deliberada intervenção dos Livros Cotovia no panorama do teatro que se escreve e faz em Portugal justifica plenamente a Menção Especial que o júri da APCT decidiu agora atribuir-lhe."
Associação Portuguesa de Críticos de Teatro
"Exercendo a sua actuação editorial em matérias, intenções, parcerias e formatos muito diversos, os Livros Cotovia têm contribuído de forma superlativa para a criação de um repertório de teatro em Portugal, quer editando originais portugueses, quer promovendo ou apoiando traduções de importantes textos da dramaturgia mundial.
Configura esta sua prática uma visão de estimulante abertura não apenas a uma escrita em que poucas editoras gostam de arriscar, mas também à realidade viva da criação teatral ao fazer convergir muitas vezes a publicação dos volumes com a subida à cena das peças, sejam elas de portugueses ou de autores estrangeiros traduzidos.
Reconhecendo embora a evidência de que o espectáculo não se resume ao texto escrito, a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro não pode deixar de destacar a relevância da produção escrita para o palco, ao mesmo tempo que reconhece que as palavras escritas para a cena não se esgotam numa leitura do "literário", antes obrigam a uma atenção multidisciplinar em função da materialização possível dessa textualidade. Daí precisamente a importância de sublinhar a convergência produtiva – para espectadores e leitores – da simultaneidade do aparecimento do texto nestas duas "plataformas" de realização material.
A importância desta deliberada intervenção dos Livros Cotovia no panorama do teatro que se escreve e faz em Portugal justifica plenamente a Menção Especial que o júri da APCT decidiu agora atribuir-lhe."
Associação Portuguesa de Críticos de Teatro
Os critérios editoriais da Cotovia têm contribuído para uma amplificação da qualidade do livro. Os livrinhos de teatro são disso um exemplo. Para o leitor não espectador, a experiência de ler teatro permite-lhe entrar no universo imbricado do texto e da sua composição paratextual (a cena, o acto, o movimento que adensa o texto, o enche e até o desvia da leitura silenciosa e individual). A partir do texto, o próprio leitor sente-se invariavelmente compelido para o jogo imaginário dessa dinâmica do espaço e aceita, naturalmente, a economia do discurso, perante as inúmeras possibilidades dramatúrgicas. A experiência de leitura oferece uma apreensão, ainda que superficial, da experiência de encenação, e tudo se torna, num macro contexto, reconhecível. Dentro dele, o desejo e o espanto podem finalmente exercer o seu poder.
14 fevereiro 2008
Regressos e partidas
Algumas vitaminas mais tarde, estou em condições para voltar a instalar-me. Enquanto estive longe do Cadeirão, o Prémio Literário Casino da Póvoa foi anunciado: Ruy Duarte de Carvalho, com Desmedida- Luanda - São Paulo - São Francisco e volta (editado pela Cotovia). Numa coincidência que não me lembro de já ter experimentado, é precisamente o livro que estou a ler.
Amanhã parto cedo para a Póvoa do Varzim. Estarei de serviço, mas não deixarei de contar como foi. Entretanto, podem ir acompanhando o dia a dia do evento com o Luís Filipe Cristovão, que já por lá anda desde ontem.
Amanhã parto cedo para a Póvoa do Varzim. Estarei de serviço, mas não deixarei de contar como foi. Entretanto, podem ir acompanhando o dia a dia do evento com o Luís Filipe Cristovão, que já por lá anda desde ontem.
13 fevereiro 2008
Pausa forçada
Por aqui persistem os sintomas, ainda que em franca melhoria: febre, dor de garganta e poucas forças. Entretanto, a Casa Fernando Pessoa já está entregue (a Inês Pedrosa, que terá de continuar a trabalhar quase sem orçamento, como já vinha acontecendo há algum tempo por aquelas bandas), o acordo ortográfico continua a criar debate e as Correntes d'Escritas começam hoje, na Póvoa do Varzim. E agora vou voltar para as mantas e para os jornais em atraso, que alguma vantagem há-de tirar-se desta coisa da febre.
11 fevereiro 2008
Pré-Publicação: Poesia, Guilherme de Aquitânia (Assírio e Alvim)
Por incrível que pareça, só com este volume se editam pela primeira vez em português ou se traduzem pela primeira vez em português os 11 poemas que nos chegaram de Guilherme IX de Aquitânia. De alguns deles já havia traduções avulsas; mas espanta que nem nas últimas décadas, em que se traduziram e celebraram em português, de Portugal ou do Brasil, tantos poetas menores de várias línguas, tenha suscitado grande atenção (a tradutores como a historiadores e a ensaístas) a produção preservada do "fundador" da poesia ocidental, do inventor do "amor cortês", do fabuloso criador de poemas emblemáticos sobre a arte de viver, de amar e de poetar, criador que Ezra Pound considerou tão moderno da sua época como da nossa.
(Da Introdução, de Arnaldo Saraiva)
I. Companheiros, farei um poema excelente
Companheiros, farei um poema excelente:
terá mais de louco que de inteligente;
misturará amor, prazer e fogo adolescente.
Por vilão tende o que entendê-lo não tente,
quem no seu coração o não guarda ou sente:
duro é perder o amor quando o achámos tão ardente.
Dois cavalos tenho para montar contente,
qual deles o mais ladino e o mais valente,
mas não posso ter os dois, que um o outro não consente.
Se eu os domasse a meu modo eficiente,
manteria o equipamento imponente,
pois montaria melhor que qualquer outro vivente.
Um foi cavalo montês do melhor dente,
mas tão arredio foi tão longamente,
tão feroz e selvagem, que montá-lo é imprudente.
Outro em Confolens se fez experiente;
de algum mais belo nunca ninguém foi ciente;
nem por ouro ou por prata o trocaria, é evidente.
Potro ainda, a seu dono o dei de presente,
com a condição de, por cada ano ausente,
eu o poder usar mais de um século livremente.
Cavaleiros, dai-me um bom conselho urgente.
Uma escolha me embaraça de repente:
não sei se optar por Inês ou Arsénia é diferente.
De Grimel, bens e castelo, sou tenente,
e por Niol me imporei a toda a gente.
Ambas as terras juraram servir-me fielmente.
Poesia, de Guilherme IX de Aquitânia
Tradução e introdução de Arnaldo Saraiva
Lisboa, Assírio e Alvim
Nas livrarias a partir do próximo dia 22 de Fevereiro.
Sublinhados VIII
"Mal dei pelo rio, em Januária, mas em nenhum lugar outro, do que vi e pisei, senti tanto as marcas e a presença, não as do curso das águas e do traçado das margens, mas as da goma glandular, colada aos corpos, de gerações afins a um lugar. Não tanto, assim, a dimensão de um portentoso curso de água, mensurável, trabalhável, transponível, mas antes a de um deus fluvial que é o eixo e é o texto de um universo a que se dá um nome e aonde colhe a dimensão de uma ideia e dos ecos que lhe conferem a insondável espessura do fundo, e a vaga desmedida da extensão de um cosmos. Estou a falar do sertão."
Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida - Luanda - São Paulo - São Francisco e volta, Cotovia, 2006 (p.96)
Ruy Duarte de Carvalho, Desmedida - Luanda - São Paulo - São Francisco e volta, Cotovia, 2006 (p.96)
Ruy Duarte de Carvalho
O Ciclo dedicado a Ruy Duarte de Carvalho começa hoje, no Centro Cultural de Belém. Conversas, lançamento de um livro, cinema, teatro e uma exposição são alguns dos eventos programados, para além de um encontro do autor com os seus leitores (no dia 17, às 16h).
A programação completa pode ser consultada aqui.
A programação completa pode ser consultada aqui.
A Biblioteca que é mais um museu
Inaugurada com a pompa dos grandes eventos, a bibliioteca desenhada por Siza Vieira, em Viana do Castelo, tem as portas fechadas todas as manhãs. Para além disso, pareceque não conta com uma máquina de fotocópias, que mais de metade do espólio ainda está a ser transferida e que o material áudio e vídeo ainda está a ser montado. Assim, nas palavras do presidente da autarquia ao Diário de Noticias, "neste momento, o edifício está a funcionar mais como museu visitável do que propriamente como biblioteca".
10 fevereiro 2008
Leituras
Um longo texto de John Preston sobre a biografia de Kenneth Grahame, autor do belíssimo O Vento nos Salgueiros, cuja publicação comemora este ano o seu centenário (em português, está editado pela Tinta da China).
09 fevereiro 2008
Mas deve ter corrido mal a uma série de gente...
O suplemento Actual, do Expresso, tem uma secção chamada 'A Semana' onde, em duas colunas, seis pessoas ou instituições são repartidas entre o 'correu bem a...' e o 'correu mal a...'. Na edição de hoje, a primeira aparição da coluna 'correu bem a...' é Américo Areal, responsável pela livraria Byblos, que acaba de anunciar a abertura de uma nova filial no Porto (ainda maior do que a primeira, ainda mais espectacular e, quiçá, ainda com mais titulos novos e fundos), estando a prever próximas aberturas em Braga e Faro. Tudo seria bonito e exemplar de como os negócios em torno dos livros vão tão bem, não fosse o pequeno pormenor de os trabalhadores da Byblos não estarem muito contentes com o processo de pagamento dos salários a que têm direito. Os zunzuns já vêm de muitos sítios e começam a fazer-se notar, mas enquanto os jornais não se lembram de investigar um bocadinho e perceber o que se passa, as notícias de novas aberturas lá vão prolongando o efeito de marketing de que a Byblos anda a beneficiar há vários meses. Para a edição do próximo Sábado podiam perguntar aos trabalhadores da Byblos se a semana lhes correu bem a eles.
08 fevereiro 2008
Momento de génio
O momento de génio supera a arte enquanto projecto. É o acontecimento único, que se repete disseminado e em alteridade no tempo e no espaço, provocando efeitos sensíveis e indizíveis de espanto. A memória, vestígio do momento, surge como um fragmento que não obedece à ordem discursiva, lógica, causal e narrativa. Esse momento de génio, único, não é recebido por todos da mesma forma. Aí começa a luta de titãs entre um acontecimento sem limites e a necessidade de o limitar para o apreender.
Crónica do Descalabro I
Quando comecei a frequentar a secção de reservados da Biblioteca Nacional, ainda na miragem de me transformar numa medievalista com óculos encerrada numa biblioteca intemporal, sentia uma espécie de aperto no estômago sempre que tinha de requisitar um manuscrito. Lembro-me bem da primeira vez que isso aconteceu: o manuscrito era uma compilação de vidas de santos, feita no Mosteiro de Alcobaça em meados do século XIV, e a funcionária da secção, desconfiada dos meus ténis e do meu ar pouco medieval, não acreditou à primeira que eu fosse investigadora, nem sequer que tivesse acabado o liceu (e isto deve abonar a favor do meu ar juvenil, porque na altura já estava a iniciar o mestrado). Ultrapassado o equívoco etário, e rapidamente transformado o ‘menina’ em ‘doutora’, ou não estivéssemos em Portugal, o manuscrito lá veio.
Quando uma segunda funcionária colocou a caixa de cartão cinzento em cima da minha mesa, as tremuras começaram. Tentando manter a compostura, lembrei-me das regras que tinha lido em vários livros sobre como manusear correctamente um manuscrito tão vetusto – afinal, se alguém se deu ao trabalho de escrever regras tão repetidas em manuais de critica textual e filologia, elas teriam alguma razão de ser. Recordadas as regras, dirigi-me novamente à funcionária e solicitei-lhe as luvas. Depois dos ténis, isto foi o descalabro. “ – Luvas? Nós aqui não usamos luvas!”, respondeu ela, como se nunca ninguém houvesse referido a importância de um par de luvas no manuseamento de espécies antigas, para evitar que a transpiração natural das mãos degradasse o pergaminho ou o papel. Voltei para o lugar, compreendendo que na terra dos ‘doutores’ instantâneos não era preciso ter tantos cuidados com manuscritos antigos e tentando encontrar uma forma de dominar o nervosismo e, claro, a transpiração das mãos. Não correu mal a minha estreia nos manuscritos, e rapidamente aprendi que a veneração e o inerente cuidado com livros antigos era uma coisa pouco considerada por aquelas bandas. Já a utilização de ténis nos dias de visita aos reservados era vista como coisa pouco credível...
Algumas visitas mais tarde, e vários manuscritos depois, a coisa agravou-se. Começou a ser frequente encontrar manuscritos com folhas arrancadas ou com pequenos pedaços (aparentemente correspondendo a letras capitais iluminadas) cortados à tesoura. Como é que uma tesoura entra na Biblioteca Nacional, é um mistério por esclarecer. Como é que um leitor utiliza uma tesoura para cortar pedaços de manuscritos numa sala que não é assim tão grande e que está sempre vigiada, é um mistério ainda maior. Consultando os vários volumes da História da Biblioteca Nacional descobrem-se elementos que confirmam a destruição como tradição: notícias de manuscritos roubados ou escândalos na imprensa com um antigo director cuja vigência coincidiu com o desaparecimento de algumas espécies e com a destruição de partes de manuscritos fazem parte do rol. Quem imaginava a secção de reservados como uma espécie de templo reservado a iniciados onde se guardava a sete chaves uma parte considerável da história, da cultura e da língua estava a delirar. Eu estava seguramente a delirar quando imaginei semelhante coisa.
Podia continuar e apontar a péssima qualidade de alguns microfilmes (que se destinam a evitar o recurso desnecessário aos manuscritos mas que, estando em mau estado, só servem para aumentar as dúvidas de leitura e as dioptrias), a permanente avaria das máquinas de fotocópias ou a necessidade de se imprimirem quatro folhas – quatro – de papel A4 sempre que alguém tem de pagar vinte cêntimos por duas ou três fotocópias (é mesmo verdade: uma folha é para a tesouraria, a outra para o utilizador e as outras duas parece que ficam no arquivo... A situação seria cómica se não fosse tão triste e as funcionárias não podem evitá-lo, embora eu ache que o queriam fazer, porque são ordens superiores!).
Agora que a anterior ministra da cultura foi substituída, não seria boa ideia pensar um bocadinho nisto? Bem sei que a lista de coisas para pensar e resolver deve ser quase infinita, mas creio que o património que se guarda naquela biblioteca não é exactamente vulgar... Ali estão os testemunhos de vários séculos de história, fontes privilegiadas (e em muitos casos, únicas) para o estudo da cultura, da política, da sociedade e da língua portuguesa. Não seria mais interessante recuperar e proteger esse património, em vez de, por exemplo, gastar uns milhões no dito ‘museu do mar e da língua’, que afinal será uma sequência de computadores e ecrãs (a querer imitar o Museu da Língua de S. Paulo, mas em pequenino, como quase tudo, como sempre) que custaram ao país a destruição do Museu de Arte Popular (para cuja reabertura a União Europeia largou algum dinheiro, destinado exclusivamente a esse objectivo) e que não terão maior função do que entreter jornalistas no dia da inauguração, enquanto alguém debita as maravilhas do choque tecnológico? Se calhar é uma pergunta tão ingénua como acreditar na inexpugnabilidade da secção de reservados da Biblioteca Nacional.
Quando uma segunda funcionária colocou a caixa de cartão cinzento em cima da minha mesa, as tremuras começaram. Tentando manter a compostura, lembrei-me das regras que tinha lido em vários livros sobre como manusear correctamente um manuscrito tão vetusto – afinal, se alguém se deu ao trabalho de escrever regras tão repetidas em manuais de critica textual e filologia, elas teriam alguma razão de ser. Recordadas as regras, dirigi-me novamente à funcionária e solicitei-lhe as luvas. Depois dos ténis, isto foi o descalabro. “ – Luvas? Nós aqui não usamos luvas!”, respondeu ela, como se nunca ninguém houvesse referido a importância de um par de luvas no manuseamento de espécies antigas, para evitar que a transpiração natural das mãos degradasse o pergaminho ou o papel. Voltei para o lugar, compreendendo que na terra dos ‘doutores’ instantâneos não era preciso ter tantos cuidados com manuscritos antigos e tentando encontrar uma forma de dominar o nervosismo e, claro, a transpiração das mãos. Não correu mal a minha estreia nos manuscritos, e rapidamente aprendi que a veneração e o inerente cuidado com livros antigos era uma coisa pouco considerada por aquelas bandas. Já a utilização de ténis nos dias de visita aos reservados era vista como coisa pouco credível...
Algumas visitas mais tarde, e vários manuscritos depois, a coisa agravou-se. Começou a ser frequente encontrar manuscritos com folhas arrancadas ou com pequenos pedaços (aparentemente correspondendo a letras capitais iluminadas) cortados à tesoura. Como é que uma tesoura entra na Biblioteca Nacional, é um mistério por esclarecer. Como é que um leitor utiliza uma tesoura para cortar pedaços de manuscritos numa sala que não é assim tão grande e que está sempre vigiada, é um mistério ainda maior. Consultando os vários volumes da História da Biblioteca Nacional descobrem-se elementos que confirmam a destruição como tradição: notícias de manuscritos roubados ou escândalos na imprensa com um antigo director cuja vigência coincidiu com o desaparecimento de algumas espécies e com a destruição de partes de manuscritos fazem parte do rol. Quem imaginava a secção de reservados como uma espécie de templo reservado a iniciados onde se guardava a sete chaves uma parte considerável da história, da cultura e da língua estava a delirar. Eu estava seguramente a delirar quando imaginei semelhante coisa.
Podia continuar e apontar a péssima qualidade de alguns microfilmes (que se destinam a evitar o recurso desnecessário aos manuscritos mas que, estando em mau estado, só servem para aumentar as dúvidas de leitura e as dioptrias), a permanente avaria das máquinas de fotocópias ou a necessidade de se imprimirem quatro folhas – quatro – de papel A4 sempre que alguém tem de pagar vinte cêntimos por duas ou três fotocópias (é mesmo verdade: uma folha é para a tesouraria, a outra para o utilizador e as outras duas parece que ficam no arquivo... A situação seria cómica se não fosse tão triste e as funcionárias não podem evitá-lo, embora eu ache que o queriam fazer, porque são ordens superiores!).
Agora que a anterior ministra da cultura foi substituída, não seria boa ideia pensar um bocadinho nisto? Bem sei que a lista de coisas para pensar e resolver deve ser quase infinita, mas creio que o património que se guarda naquela biblioteca não é exactamente vulgar... Ali estão os testemunhos de vários séculos de história, fontes privilegiadas (e em muitos casos, únicas) para o estudo da cultura, da política, da sociedade e da língua portuguesa. Não seria mais interessante recuperar e proteger esse património, em vez de, por exemplo, gastar uns milhões no dito ‘museu do mar e da língua’, que afinal será uma sequência de computadores e ecrãs (a querer imitar o Museu da Língua de S. Paulo, mas em pequenino, como quase tudo, como sempre) que custaram ao país a destruição do Museu de Arte Popular (para cuja reabertura a União Europeia largou algum dinheiro, destinado exclusivamente a esse objectivo) e que não terão maior função do que entreter jornalistas no dia da inauguração, enquanto alguém debita as maravilhas do choque tecnológico? Se calhar é uma pergunta tão ingénua como acreditar na inexpugnabilidade da secção de reservados da Biblioteca Nacional.
Leituras
No El Cultural, uma entrevista com Martin Amis. No ABC de las Artes y las Letras, um texto sobre o centenário de Rafael Lapesa.
07 fevereiro 2008
Tesouros da Biblioteca Nacional de França
Todos os meses, o site da Biblioteca Nacional de França 'expõe' uma das suas espécies. Durante este mês, pode ver-se um manuscrito iluminado sobre a vida de S. Francisco de Assis, datado de 1480 (aproximadamente).
Sublinhados VII
"Aquele traço do seu lápis ou da sua esferográfica na margem do ângulo inferior direito da página que significava nihil obstat, texto revisto, sem erros, santificado pelo rigor. Imprima-se, publique-se, envie-se, despache-se pelo correio para o leitor, o contribuinte, o cliente ou o comerciante, a parte em litígio ou o advogado. Para ordenar o mundo como só a letra impressa pode fazê-lo."
George Steiner, "Provas", in Provas e Três Parábolas, Gradiva, 2008 (tradução de MIguel Serras Pereira; p.15)
George Steiner, "Provas", in Provas e Três Parábolas, Gradiva, 2008 (tradução de MIguel Serras Pereira; p.15)
06 fevereiro 2008
Padre António Vieira
Há quatrocentos anos, nascia um dos mais extraordinários, elaborados e cultos prosadores da língua portuguesa.
As comemorações andarão um pouco por todo o lado, mas destaca-se a conferência de Eduardo Lourenço ("Vieira: do Império do Verbo ao Verbo como Império"), às 18h, na Academia das Ciências de Lisboa, o recital de órgão e pregação do "Sermão de Quarta-feira de Cinzas", às 21h30 na capela da Universidade de Coimbra (ou o concerto "Foi-nos um Céu Também", da orquestra Divino Sospiro e do Coro Officium, à mesma hora no Centro Cultural de Belém) e o 'Eléctrico chamado Vieira', iniciativa do Centro Nacional de Cultura que alterará, a partir das 15h, a rotina do 28, transportando especialistas na vida e na obra do Padre António Vieira que falarão aos passageiros daquilo que sabem.
As comemorações andarão um pouco por todo o lado, mas destaca-se a conferência de Eduardo Lourenço ("Vieira: do Império do Verbo ao Verbo como Império"), às 18h, na Academia das Ciências de Lisboa, o recital de órgão e pregação do "Sermão de Quarta-feira de Cinzas", às 21h30 na capela da Universidade de Coimbra (ou o concerto "Foi-nos um Céu Também", da orquestra Divino Sospiro e do Coro Officium, à mesma hora no Centro Cultural de Belém) e o 'Eléctrico chamado Vieira', iniciativa do Centro Nacional de Cultura que alterará, a partir das 15h, a rotina do 28, transportando especialistas na vida e na obra do Padre António Vieira que falarão aos passageiros daquilo que sabem.
05 fevereiro 2008
Ficção Científica
No Times Literary Supplement, Dinah Birch escreve sobre Science Fiction Omnibus, a mais recente antologia de ficção científica da Penguin.
04 fevereiro 2008
Livrarias independentes
Via A Origem das Espécies, um artigo do The Independent sobre o crescimento das livrarias independentes no Reino Unido.
Tenhamos esperança...
Tenhamos esperança...
Livreiros
O Bibliotecário de Babel inicia hoje, com a colaboração de Margarida Ferra, uma série de posts dedicada ao outro lado do balcão dos livros. Pedro Vieira (também conhecido por irmãolucia e, asseguro, um bom rapaz, apesar daquela fixação com o Ruca e a Carina...), actualmente a trabalhar na Byblos, é o primeiro entrevistado.
A leitura e o circo do mercado
No Hoja por Hoja de Fevereiro, Mauricio Tenorio Trillo escreve sobre A la sombra de los libros. Lectura, mercado y vida pública, um livro de Fernando Escalante Gonzalbo que muito provavelmente não chegará a este lado do mar, mas que parece reflectir sobre uma situação de contornos semelhantes à que se vive por cá: muita edição, grandes grupos a lutarem pelo monopólio do mercado, estrelas mediáticas vendidas como escritores de primeira água e o milagre da comunicação e do marketing a anunciar, todos os dias, a boa nova de que os livros são um 'produto' que vende bem. Pode ser que alguma livraria mais atenta importe o livro de Gonzalbo; até lá, a recensão já dá que pensar.
02 fevereiro 2008
Bookoffice
Os Booktailors já não moram só aqui; a partir de agora têm também uma morada física, na Rua Nova do Almada, nº 59, 3º andar, mesmo em frente à Livraria Ferin.
Felicidades para a casa nova!
Felicidades para a casa nova!
01 fevereiro 2008
Pecadilhos III (mas com protesto)
Aos olhares confusos dos trabalhadores da livraria onde compro a imprensa e à farra de comentários jocosos dos meus amigos no início de cada mês, já me habituei. Mas passar por tudo isto, chegar ao conforto do sofá e descobrir que a crónica do meu conservador favorito desapareceu da Atlântico é que não! Primeiro sumiram-se os textos de Alexandre Soares Silva, agora desapareceu João Pereira Coutinho... Assim, não sei se vale a 'humilhação mensal'. Bem sei, há outros textos para ler (e eu leio-os, para aumento dos meus 'pecadilhos), mas estes eram os textos que justificavam imediatamente a compra. Vejam lá isso, senhores da Atlântico, vejam lá isso.
O regresso da LER
Foi a primeira revista que acompanhei sem falhas, número a número, e pela qual esperei com impaciência sempre que se aproximava a data de saída. Os primeiros números foram comprados pela minha mãe e desviados, com a sua complacência, para as estantes do meu quarto; os últimos já foram oferta do meu avô. Moram todos nas estantes cá de casa e ainda os releio com frequência.
Agora a Fundação Círculo de Leitores anuncia-lhe o regresso. Francisco José Viegas, seu director durante vários anos, voltará a dirigir a revista (abandonando a Casa Fernando Pessoa). E a partir de Abril, todos os meses, a LER voltará a estar nas bancas.
Por resolver fica o problema do espaço nas imediações deste Cadeirão. É que a prateleira das LER está lotada e as prateleiras vizinhas não estão a colaborar...
Agora a Fundação Círculo de Leitores anuncia-lhe o regresso. Francisco José Viegas, seu director durante vários anos, voltará a dirigir a revista (abandonando a Casa Fernando Pessoa). E a partir de Abril, todos os meses, a LER voltará a estar nas bancas.
Por resolver fica o problema do espaço nas imediações deste Cadeirão. É que a prateleira das LER está lotada e as prateleiras vizinhas não estão a colaborar...
Fernando Assis Pacheco
Faria hoje 71 anos se o coração não o tivesse atraiçoado, à porta de uma livraria, já lá vão treze anos.
O site da Assírio e Alvim lembra o autor de A Musa Irregular e destaca os seus livros. O Cadeirão Voltaire presta a sua singela homenagem com a leitura de um poema.
PRANTO POR MANUEL DOALLO
Podia-se ter esborrachado qualquer 23 de Agosto
véspera do San Bartolomé e ele na moto
correndo de Vitoria para as mozas de Ourense
e para as tazas em que era ainda mais exímio
e deixa-se morrer unha serán poñamos
por caso desolada agora pai de filhos
a última queixa: que lhe doía um braço
em troques há tanto sacana que parece de ferro
vaite ó carallo ó morte que me levas
o meu primo galego Manuel Doallo
morte merdeira
coisa ruim de cinza e névoa e cinza
nem nunca nestas terras se me eu lembro
houve um outro rapaz de tanto garbo
como il que era cáseque um rei e querem
que eu o chore e ao coração coitelo?
barqueira que mo levas puta infame
eu berro e berro à soedá do rio
Fernando Assis Pacheco
A Profissão Dominante, 1982
(in A Musa Irregular, Edições Asa, 1996)
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