08 outubro 2008

Miguel Esteves Cardoso, Em Portugal Não Se Come Mal, Assírio & Alvim



         É sabido que a prosa de Miguel Esteves Cardoso há muito que devia constar dos manuais escolares e que não deve haver candidato a cronista que não alimente o sonho de um dia escrever como um epígono do mestre. Poder ler assim, de seguida, mais de setenta crónicas do autor sem a angústia de esperar pela semana seguinte é, por isso, um privilégio, muito para lá da importância documental. É egoísmo puro: não importa tanto se a edição em livro permite prolongar a existência dos textos, transformá-los no objecto devocional que os livros podem ser ou dar a conhecer o autor a mais leitores, eventualmente distraídos de jornais e revistas; o que importa realmente é que assim temos todas as crónicas na mão, sem esperas, sempre que quisermos.
         Alimentado pelas colaborações do autor no extinto DNA, este volume reúne as crónicas que MEC dedicou à comida (ou, como o próprio diria, ao ‘papinho’), e especificamente à comida portuguesa. Entre restaurantes, mercados e cozinhas caseiras, MEC elogia a qualidade dos produtos nacionais e o modo tradicional de os comer. O elogio não passa pelo nacionalismo que despreza a fruta espanhola, mas antes pela constatação de que ainda temos ingredientes verdadeiramente invejáveis de qualidade e frescura, sendo o modo mais simples e antigo de os consumir quase sempre o melhor. Não é que as maçãs espanholas sejam más, mas para quê perder tempo com elas se fomos abençoados com a doçura das maçãs ‘bravo esmolfe’ à porta de casa? E como se a sua palavra não bastasse, o autor deambula por descrições suculentas e pela partilha de conversas com verdadeiros conhecedores do tema – pescadores, peixeiras, merceeiros e outros – , que ajudam à confirmação: não é preciso gastar o ordenado mínimo num restaurante premiado ou embarcar num avião para Paris ou Roma; com pouco dinheiro e o conhecimento ancestral da época certa para cada produto (ou, em alternativa, com a ajuda dos vendedores dos mercados municipais, verdadeiros repositórios de segredos culinários), come-se muito bem por cá.

Sara Figueiredo Costa

(Texto publicado na revista Time Out nº53, 1 Outubro 2008)

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